ABC | Volume 110, Nº4, Abril 2018

Relato de Caso Fibrilação Ventricular Primária em Paciente comDiscreta Hipercalcemia Primary Ventricular Fibrillation in a Patient with Mild Hypercalcemia Rita Marinheiro, Leonor Parreira, Pedro Amador, Francisco Sardinha, Sara Gonçalves, Sónia Serra Centro Hospitalar de Setúbal, Setúbal, Lisboa – Portugal Correspondência: Rita Marinheiro • Rua Camilo Castelo Branco, 2910-446. 2900, Setúbal – Portugal E-mail: ritamarinheiro@gmail.com , ritamarinheiro@gmail.com Artigo recebido em 10/10/2016, revisado em 04/04/2017, aceito em 06/07/2017 Palavras-chave Fibrilação Ventricular; Choque Cardiogênico; Hipercalcemia; Síncope; Inconsciência. DOI: 10.5935/abc.20180059 Introdução Um intervalo QT anormalmente curto pode ser causado por várias situações como hipercalcemia, hipercalemia, acidose, hipertermia, efeitos de drogas como digitálicos ou síndrome QT congênita curta (SQTC). 1 O hiperparatireoidismo primário (PTHP) pode, em última instância, causar intervalo curto de QT, uma vez que a superprodução de hormônio paratireoidiano (PTH) causa hipercalcemia. Contudo, as arritmias cardíacas são incomuns e a tempestade elétrica raramente foi descrita em pacientes com hipercalcemia. 2 As causas secundárias do QT curto devem ser descartadas antes de considerar o diagnóstico de SQTC. 3 Descrito por vez primeira em 2000, o SQTC é um distúrbio elétrico primário congênito caracterizado pelo intervalo QT corrigido anormalmente curto (QTc) no eletrocardiograma (ECG) que está associado à morte cardíaca súbita (MCS) em indivíduos com coração estruturalmente normal. De acordo com as diretrizes ESC de 2015 para o tratamento de pacientes com arritmias ventriculares, 4 o SQTC é diagnosticado na presença de um QTc ≤ 330 ms ou pode ser diagnosticado na presença de um QTc < 360 ms e um ou mais dos seguintes fatores: mutação patogênica, história familiar de SQTC, história familiar de morte súbita antes dos 40 anos e / ou sobrevivência de um episódio de taquicardia ventricular (TV) / fibrilação ventricular (FV) na ausência de doença cardíaca. Os autores apresentam um caso de tempestade elétrica devido a TV polimórfica suspeitada de ser causada pelo SQTC. No entanto, o PTHP foi diagnosticado um ano depois e pensou-se que a hipercalcemia leve era a causa ou um contribuinte para a tempestade elétrica. Relato do caso Uma mulher previamente saudável de 44 anos foi levada para a sala de emergência depois de uma queda com perda de consciência, seguida de extrema ansiedade. Não apresentava dificuldade respiratória ou outros sintomas; negou fatores de risco cardiovascular ou consumo de álcool e drogas. A história da família era irrelevante. No exame físico, estava calma, apirética, hemodinamicamente estável e seu exame neurológico e auscultações cardíacas e pulmonares eramnormais. Sua pressão arterial era de 90/61 mmHg e a frequência cardíaca (FC) era de 114 batimentos por minuto (bpm). Enquanto estava sob observação, perdeu a consciência. O monitoramento cardíaco confirmou episódio de FV, foi aplicado choque na paciente que se recuperou. Os valores laboratoriais foram normais, incluindo hemograma, eletrólitos, função renal, hormônios tireoidianos, enzimas cardíacas e D-dímero sérico. O cálcio total foi de 9,3 mg/dL e a albumina foi de 3,0 g/dl (intervalo normal 3,5 - 5,0 g/dL). O cálcio corrigido para hipoalbuminemia foi de 10,3 mg/dL (faixa normal de 8,4 a 10,2 mg/dL). Foi feito ECG pela equipe de emergência antes da admissão no hospital (Figura 1) que mostrou ritmo sinusal e FC de 75 bpm, intervalo PR normal (160 ms) e duração QRS (90 bpm), ST sem alterações eQTc de 349ms (de acordo coma fórmula de Bazett). O intervalo Tpeak - Tend (0,50ms) e a relação Tpeak - Tend / QT (0,18) não eram prolongados. O intervalo QT curto não foi detectado nos ECGs subsequentes, inclusive no realizado após o primeiro choque. Nas horas seguintes, o monitoramento cardíaco demonstrou contrações ventriculares prematuras (CVP) com morfologias distintas e fenômeno R sobre T que foi responsável por TV polimórfica que degenerou para FV (Figura 2). Foramaplicados dez choques externos e o tratamento com amiodarona e beta-bloqueadores foi ineficaz. A sedação e a intubação orotraqueal foram decididas devido à exigência de choques sucessivos. A angiografia coronária de emergência excluiu a doença arterial coronariana (DAC). Uma vez que a TV paroxística foi presumivelmente causada por CVP com intervalos de acoplamento curtos (extra-sístoles R sobre T caindo no pico da onda T), a infusão de isoproterenol foi iniciada (0,08 mg/h). A FC aumentou e os episódios arrítmicos desapareceram. Vinte e quatro horas depois, este tratamento foi interrompido e não foram detectadas mais arritmias. Uma abordagem abrangente foi realizada. Durante a internação, os ECGs sucessivos não apresentaram intervalo QTc curto ou outras alterações. As CVPs foram observadas em alguns ECG, mas tinham diferentes morfologias e apenas alguns deles apresentavam um curto intervalo de acoplamento. Os valores do laboratório permaneceram normais. O ecocardiograma transtorácico foi normal e a ressonância magnética cardíaca (RMC) não visualizou alterações. O teste de flecainida foi negativo e o estudo eletrofisiológico (EEF) foi normal sem indução de arritmias. Foi realizado o teste de esteira (protocolo de Bruce). Em repouso, seu intervalo QT foi de 320 ms e FC 90 bpm (QTc = 392 ms); no pico de esforço (FC = 134 bpm), QT foi de 280 ms (QTc = 418 ms). A paciente pediu para terminar a prova no estágio 1 (1,7 mph em 10%) já que estava muito cansada. Não foi realizada investigação adicional para SQTC como causa de FV e foi implantado um cardioversor-desfibrilador 393

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