ABC | Volume 110, Nº4, Abril 2018

Correlação Anatomoclínica Nunes et al. Homem de 73 anos com cardiopatia isquêmica e caquexia Arq Bras Cardiol. 2018; 110(4):388-392 principalmente à anorexia, à modificação na rotina da ingestão de alimentos, à mudança de absorção e metabolismo em pacientes com insuficiência cardíaca. 3 Estima-se que até 34% dos pacientes portadores de ICC em acompanhamento ambulatorial possam apresentar caquexia cardíaca durante o seguimento a médio e longo prazo. 4 Os efeitos deletérios dessa alteração resultam em comprometimento das funções cardíaca e respiratória, redução da imunidade, entre outros, o que resulta emmaior mortalidade. As complicações sistêmicas que ocorreram no caso relatado e que tornaram menos provável a reversão do quadro final podem ter sido agravadas pela caquexia cardíaca. Como tratamento, a literatura busca uma pluralidade de ações simultâneas que combatam os pontos mais críticos da caquexia, como a terapia nutricional e o uso de estimulantes de apetite, a correção da anemia e do edema, esteroides anabolizantes e imunomodulação. Em paralelo à terapêutica medicamentosa, a atividade física é indicada neste tipo de paciente para a manutenção da musculatura esquelética, 5 sempre respeitando os limites impostos pela doença do indivíduo, sendo necessário um acompanhamento rigoroso dessas atividades. Outra possibilidade de caquexia no caso citado seria o desenvolvimentodeneoplasiamalignaempaciente jápreviamente debilitado por doença cardíaca. Recentemente, novos estudos demonstraram maior interação entre os dois temas (doenças oncológicas e cardíacas), não se atribuindo mais à coincidência diagnóstica,mas simà interaçãoentre as suasmorbidades. Recente publicação 6 mostrou que a sobreposição dessas duas doenças é resultado de somatório de fatores de risco compartilhados, como obesidade, tabagismo, sedentarismo e diabetes mellitus. Nesse contexto, surge o termo de caquexia cardíaca relacionada ao câncer. Essa complicação é parte da história natural da doença neoplásica, que leva a uma perda progressiva de massa muscular (caquexia). Muitos pacientes, porém, também experimentam alterações miocárdicas no que tange a atrofia, remodelamento e disfunção, quadro então chamado de caquexia cardíaca. 7 Doenças infecciosas insidiosas como tuberculose e endocardite infecciosa também podem cursar com quadros consumptivos. Geralmente, a manifestação mais comum associada a essas afecções é febre (entre 70% e 90% dos casos), que somente foi relatada no caso acima durante a internação, mas não no curso dos últimos meses da doença. Outros sintomas e sinais, como tosse, expectoração produtiva, sudorese noturna ou lesões cutâneas como petéquias e hemorragias subungueais, também não são apresentados na história. Na admissão no serviço de emergência, o paciente apresentava sinais de desidratação, hipotensão arterial e congestão sistêmica, como pressão venosa jugular elevada, hepatomegalia e edema de membros inferiores. Esses dados sugerem estado de baixo débito cardíaco, que pode corresponder a estágio avançado da cardiopatia de base ou descompensação associada a outros fatores contribuintes. Chama a atenção no eletrocardiograma de entrada a presença de sinais de sobrecarga de câmaras direitas, o que pode sugerir aumento súbito das pressões no átrio e no ventrículo direitos, conforme observado em casos de tromboembolismo pulmonar agudo. Outros fatores que podem contribuir para descompensações agudas em pacientes com doenças crônicas e potencialmente imunodeprimidos são infecções bacterianas, como pneumonias e infecções do trato urinário. Apesar do tratamento instituído, o paciente evoluiu com piora clínica associada a insuficiência renal e acidose metabólica. No terceiro dia de internação, apresentou rebaixamento do nível de consciência, febre, oligúria e insuficiência respiratória, sendo submetido a intubação orotraqueal. O quadro inicialmente sugere descompensação infecciosa com possível quadro tóxico-metabólico, mas a tomografia de crânio revelou lesão hipoatenuante occipital direita compatível com acidente vascular encefálico isquêmico agudo. Em pacientes portadores de cardiopatias estruturais, insultos isquêmicos encefálicos comumente são secundários a doença aterosclerótica cerebrovascular ou episódios de cardioembolização na presença de fibrilação atrial ou outros trombos intracardíacos. Menos frequentemente, o fenômeno cardioembólico pode ser relacionado a endocardite Figura 1 – ECG: sobrecarga atrial esquerda e sinais indiretos de sobrecarga atrial direita (Peñaloza-Tranchesi), bloqueio de ramo esquerdo e da divisão anterossuperior do ramo esquerdo. 389

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