ABC | Volume 110, Nº3, Março 2018

Artigo Original Armstrong et al Urbanização e mortalidade CV em populações indígenas Arq Bras Cardiol. 2018; 110(3):240-245 Introdução O processo de urbaniza ão uma preocupa ão em países em desenvolvimento, pois influencia a prevalência de fatores de risco cardiovascular (CV) e doen a coronariana. 1 Na verdade, um processo precoce de mudan as no estilo de vida parece levar ao aumento do risco CV quando os migrantes rurais se estabelecem em áreas metropolitanas. 2 Al m disso, popula ões indígenas tradicionais apresentam maior risco para complica ões CV. 3 Diversas doen as infecciosas causaram graves problemas de saúde quando os europeus inicialmente entraram em contato com popula ões indígenas americanas nativas. Ao longo dos anos, observou-se um desvio das taxas de mortalidade indígena na dire ão das doen as crônicas afetadas por mudan as no estilo de vida, que varia muito nas diferentes popula ões nativas. 4-6 Recentemente, alguns indígenas isolados no Brasil ainda apresentavam pressão arterial baixa, o que parece estar relacionado ao seu estilo de vida tradicional. 7,8 Projetos infraestruturais maiores podem rapidamente influenciar popula ões nas áreas vizinhas, com frequência afetando comunidades indígenas. Mais recentemente, o Vale do São Francisco no Nordeste do Brasil vem experienciando grandes mudan as de infraestrutura, em particular no que concerne à constru ão de grandes represas e canais, que parecem afetar o tradicional estilo de vida indígena na área. 9,10 Não está claro, entretanto, como o processo de urbaniza ão vem interferindo na mortalidade CV nas comunidades indígenas nativas ao longo dos anos. O Projeto de Aterosclerose Nas Popula ões Indígenas (PAI) foi criado para investigar o impacto da urbaniza ão sobre as doen as CV nas comunidades indígenas no Vale do São Francisco. Neste estudo, analisamos o perfil da mortalidade CV das popula ões indígenas durante o rápido processo de urbaniza ão altamente influenciado por interven ões governamentais de infraestrutura no Vale do São Francisco. Para tal, avaliamos dados longitudinais sobre taxas de mortalidade de popula ões indígenas e não indígenas com diferentes graus de urbaniza ão. Métodos População do estudo Coletamos dados de mortalidade indígena no Vale do São Francisco, dos estados da Bahia e de Pernambuco, entre 2007 e 2011, excluindo as mortes abaixo de 30 anos de idade. Obtivemos ainda, a partir de dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a popula ão total do Vale do São Francisco. As popula ões indígenas foram divididas em dois grupos conforme o grau de urbaniza ão baseado em avalia ões antropológicas pr vias: 9,10 Grupo 1 - tribos menos urbanizadas (Funi-ô, Pankararu, Kiriri e Pankarar ); e Grupo 2 - tribos mais urbanizadas (Tuxá, Truká e Tumbalalá). Obtivemos ainda a mortalidade da popula ão total de duas cidades importantes e altamente urbanizadas do Vale do São Francisco: Juazeiro e Petrolina. O comitê de tica da Universidade do Vale do São Francisco aprovou este estudo. Dados sobre mortalidade O Subsistema Brasileiro de Aten ão à Saúde Indígena atualmente responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena, uma se ão do Minist rio da Saúde, que, desde 2007, implementou um programa de vigilância de mortalidade. 11,12 Avaliou-se a mortalidade indígena a partir dos registros oficiais da Secretaria Especial de Saúde Indígena. Para a mortalidade nas cidades maiores do Vale do São Francisco, usou-se o registro do Minist rio da Saúde Brasileiro (DATASUS/TABNET: http:// datasus.saude.gov.br/ ). Classificou-se mortalidade de acordo com os grupos da CID-10. Considerou-se mortalidade CV quando a causa constava no grupo de doen as CV do CID-10 ou se tivesse sido registrada como morte súbita. Análise estatística Realizou-se análise exploratória para mostrar as tendências da mortalidade CV nas diversas popula ões indígenas ao longo do tempo. Tais tendências da mortalidade CV em adultos (≥ 30 anos de idade) foram apresentadas como porcentagem do total de mortes na mesma faixa etária para todas as comunidades indígenas no Vale do São Francisco e conforme o grupo de urbaniza ão (tribos menos urbanizadas no Grupo 1, tribos mais urbanizadas no Grupo 2 e cidades altamente urbanizadas). O teste de igualdade de propor ões avaliou diferen as nas taxas de mortalidade CV entre as popula ões indígenas. Adotou-se o valor de p < 0,05 como significância estatística. STATA 10 foi usado para os cálculos estatísticos. Resultados Nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas da Bahia e de Pernambuco, 75.635 indivíduos estavam registrados como indígenas. Desses, 25.560 estavam morando nas tribos do Vale do São Francisco avaliadas neste estudo, a maioria nas menos urbanizadas do Grupo 1 (Tabela 1). Houve tendência para mortalidade em idade mais precoce no período 2010-2011 quando comparado ao período 2007‑2009 (Figura 1). Registrou-se um total de 1.333 mortes entre os adultos indígenas do Vale do São Francisco, a saber: 281 mortes (1,8% da popula ão em 2012) no Grupo 1; e 73 mortes (3,7% da popula ão em 2012) no Grupo 2. Entre 2007 e 2009, houve 133 mortes no Grupo 1 e 44 mortes no Grupo 2. Entre 2009 e 2010, houve 148 mortes no Grupo 1 e 29 mortes no Grupo 2. A Tabela 1 mostra o número absoluto de mortes de indígenas no Vale do São Francisco de acordo com os grupos do estudo. A mortalidade CV apresentou aumentos consistentes ao longo do tempo nas popula ões indígenas avaliadas. Por outro lado, a mortalidade CV mostrou redu ões consistentes nas maiores cidades do Vale do São Francisco (Figura 2). Quando se considerou o grau de urbaniza ão para todo o período de observa ão, as taxas de mortalidade CV foram 24% e 37% no Grupo 1 e Grupo 2, respectivamente (p = 0,02). Observou-se ainda uma tendência a aumento mais acentuado da mortalidade CV no Grupo 2 ao longo do tempo, enquanto o Grupo 1 apresentou taxas quase estáveis de morte CV (Figura 3). 241

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