ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Artigo Original Rodrigues et al Práticas em Cintilografia de Perfusão Miocárdica Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):175-180 Introdução A cintilografia de perfusão miocárdica (CPM) é uma técnica não invasiva, segura e que utiliza o estresse físico ou farmacológico para detectar a presença de isquemia, avaliando precocemente as alterações. A taxa de complicações de uma CPM não excede a do teste ergométrico, que é estimada em 0,01% de mortalidade. 1 Os pacientes com isquemias evidenciadas pela CPM têm maior risco de desfechos adversos em comparação com pacientes com exame normal. Essa estratificação é fundamental, pois abordagens invasivas somente estão associadas a benefício para pacientes com risco aumentado. As diretrizes europeias sobre revascularização citam como técnicas mais bem estabelecidas para o diagnóstico de isquemia a CPM e o ecocardiograma sob estresse. 2 O uso adequado dos procedimentos invasivos é fundamental, pois esses apresentam alto custo. O Estudo IMPACT demonstrou que a maior parte do custo no manejo da doença coronariana provém dos procedimentos invasivos. 3 A CPM é o procedimento de medicina nuclear mais utilizado no Brasil, correspondendo a 54% de todas as cintilografias realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS). 4 Apesar da ampla utilização, as práticas são heterogêneas e podem ser aperfeiçoadas, especialmente porque empregam radiação ionizante, que, por princípios de radioproteção, deve ser usada de modo justificado e otimizado. Santos et al., 5 avaliaram o uso da cintilografia no SUS e observaram uma taxa de utilização inapropriada de 12%. Afirmam que, com a utilização apropriada, haverá uma redução de 18,6% nos custos orçamentários, além da redução da exposição desnecessária à radiação. 5 Em contrapartida, Oliveira et al., 6 avaliando a adequação da CPM em outra instituição, encontraram uma taxa de exames inapropriados de apenas 5,2%. 6 Tendo em vista a heterogeneidade do uso e da exposição à radiação, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) recomenda oito “boas práticas” para minimizar a exposição à radiação durante a CPM. 7 No estudo INCAPS, foi analisada adoção dessas práticas em 308 Serviços de Medicina Nuclear (SMN) em 65 países, sendo que apenas 142 SMN (45%) apresentavam índice satisfatório. Até o momento, não há dados demonstrando a utilização dessas recomendações no Brasil, que é o objetivo do estudo. Métodos Foi desenhado um estudo transversal com questionário online autoadministrado, enviado para endereço eletrônico do responsável técnico dos SMN em funcionamento no país (403 SMN no primeiro trimestre de 2016, segundo dados obtidos no site da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O critério de inclusão no estudo foi o SMN estar autorizado pela CNEN a operar. Foram excluídos todos que realizavam menos de 20 CPM ao mês e respostas duplicadas, resultando em 63 respondentes (16% do total). O questionário foi elaborado utilizando as diretrizes norte-americana e europeia com perguntas selecionadas das publicações da própria AIEA: o Quality Management Audits in Nuclear Medicine Practices (QUANUM) 8 e o Nuclear Medicine Database (NUMDAB). 9 O questionário continha 49 questões, divididas em 7 domínios: dados demográficos do SMN (5 itens), dados sobre a equipe técnica (10 itens), atenção ao paciente (4 itens), radiofarmácia (8 itens), equipamentos (7 itens), protocolo de exames (20 itens) e pós-processamento e interpretação das imagens (2 itens). Foi considerado equipe multidisciplinar completa quando o SMN era composto de ao menos um profissional de cada categoria: médico nuclear, físico médico, farmacêutico, biomédico, enfermeiro e profissionais de nível técnico. O Índice de Qualidade (IQ) foi adotado para mensurar de modo objetivo a qualidade no exame de perfusão miocárdica, que envolve o somatório das práticas que podem ser adotadas em um SMN. O IQ varia de 0 até 8 e foi considerado o valor de IQ ≥ 6 como o nível desejado para um SMN conforme sugestão da AIEA. 7 Análise estatística As variáveis foram testadas para normalidade pelométodo de Kolmogorov-Smirnov, revelando uma distribuição não normal. Portanto, a análise descritiva foi realizada através de medianas e intervalo interquartil e foram utilizados o teste de Kruskal-Wallis de amostras independentes e o teste U de Mann-Whitney de amostras independentes. A análise foi realizada no pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences versão 21. Todos os testes de hipóteses desenvolvidos consideraram uma significância de 5%, ou seja, a hipótese nula foi rejeitada quando p-valor foi menor que 0,05. Resultados No total de 63 SMN respondentes, está refletida a prática de 972 profissionais envolvidos que são responsáveis por uma estimativa de 13.200 CPM ao mês. A Figura 1 apresenta o histograma da distribuição do IQ em 63 SMN de todo o Brasil, onde o IQmediano encontrado foi de 5. O IQ mais baixo foi 3, o quartil inferior que equivale a 25% dos escores de IQ foi igual a 4 e o quartil superior igual a 5. O IQ ≥ 6, que é o índice desejável, somente foi observado em 13 SMN (20,6% da amostra). A Tabela 1 discrimina os valores do IQ de acordo com as principais características dos SMN, com o objetivo de identificar aquelas que estão associadas com os valores mais elevados de IQ. Duas variáveis apresentaram associação significativa com IQ mais elevado: 1) O SMN ser localizado em instituições acadêmicas em comparação com as não acadêmicas, p = 0,046; e 2) Os SMN que apresentaram equipe multidisciplinar completa em comparação com os que não a apresentavam, p = 0,030. Ao analisarmos a quantidade de CPM realizadas mensalmente e sua relação com o IQ desejável (Tabela 2), observamos que as instituições com IQ ≥ 6 apresentaram um volume de CPM mensal estatisticamente maior que os SMN que não apresentavam ao menos seis boas práticas, p = 0,043. Ao analisarmos a presença de cada uma das boas práticas nos SMN (Tabela 3), podemos observar que as mais adotadas foram: 1) não utilização do protocolo Tálio‑estresse; 2) não utilização de protocolo de duplo-isótopo; e 176

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