ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Artigo Original Leiria et al Anticoagulantes ininterruptos e ablação de flutter Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):151-156 Tabela 2 – Tipo de anticoagulantes orais não antagonistas da vitamina K e antagonistas da vitamina K utilizados de forma ininterrupta para ablação de flutter atrial NOAC (n = 65)% AVK (n = 89)% Rivaroxabana (41) 63,0% Warfarina (77) 86,5% Dabigatrana (14) 21,6% Femprocumona (12) 13,5% Apixabana (10) 15,4 % NOAC: anticoagulante oral não vitamina K dependente; AVK: antagonista da vitamina K. b.i.d. e 1 dos 11 pacientes em uso de rivaroxabana 20 mg) e nenhum sangramento maior. Um paciente em uso de dabigatrana 110 mg b.i.d. apresentou AVC isquêmico 27h após o procedimento, em uso ininterrupto do anticoagulante e com ecocardiograma transesofágico pré-procedimento que não havia evidenciado trombos atriais. Esse estudo, no entanto, coletou dados somente até a alta hospitalar dos pacientes, portanto os dados de segurança do uso dessas medicações podem estar subestimados. 15 Um terceiro estudo retrospectivo de NOACs nesse cenário comparou pacientes em uso de apixabana (n = 105) pareados com outros que utilizaram femprocumona (n = 210) até a alta hospitalar. 13 Foram incluídos somente pacientes submetidos à ablação de arritmias atriais esquerdas, diferentemente de nossa coorte, que incluiu somente casos de flutter típico. Todos os pacientes estavam em uso de anticoagulação oral por, pelo menos, quatro semanas e o emprego da anticoagulação foi ininterrupto, com uso de heparina endovenosa durante o procedimento. Não houve eventos tromboembólicos; sangramentos menores ocorreram em 10,5% dos pacientes em uso de apixabana e em 12,3% daqueles em uso de femprocumona (p = 0,61). Nossa coorte demonstrou menos complicações hemorrágicas, no entanto nenhum procedimento realizado abordou o átrio esquerdo. Atestando a variabilidade do manejo da anticoagulação periprocedimento de ablação de FLA, uma pesquisa conduzida na Europa e no Canadá demonstrou que 6% dos centros não utilizam anticoagulação de rotina em ablação de FLA típico, e que somente 31% dos centros realizam anticoagulação pré‑procedimento por um período mínimo de 4 semanas. 16 Com relação ao uso de NOACs, apenas 35% dos centros realizam o procedimento com uso ininterrupto da medicação, e aqueles que suspendem a medicação demonstram grande variação no período de suspensão. O uso crescente de NOACs desde 2010, conforme demonstrado pelo estudo GARFIELD-AF, 17 aponta para a necessidade de coleta de dados a respeito do uso dessas classes de medicamentos nos mais variados cenários. O cenário da ablação de FLA, no entanto, carece de estudos prospectivos capazes de uniformizar as condutas dos centros de eletrofisologia. Nosso estudo aponta para a segurança desses medicamentos e pavimenta o caminho para que ensaios clínicos sejam realizados. Um ponto que deve ser salientado em nosso estudo foi o uso quase que exclusivo de cateter de ablação de ponta larga (8 mm), o que talvez não reflita a realidade de outros serviços. Existe um sentimento de que na região do istmo-cavotricuspídeo, que possui espessura variando entre 0,5 e 5 mm, 18,19 a aplicação de alta energia (70 W) possa acarretar um risco aumentado de perfuração. Contudo, os estudos que avaliaram o uso de cateteres com ponta 8 mm, comparativamente aos irrigados, na ablação de FLA istmo-dependente demonstraram não haver uma diferença significativa na ocorrência de lesões por vaporização (“pop”) ou perfuração cardíaca. 20-22 A ocorrência de carbonização na ponta do cateter, por sua vez, parece ser mais alta do que o irrigado, 20 porém esse fato não foi mensurado em nosso estudo. Limitações do estudo Como limitações de nosso estudo, citamos que uma parte da coleta de dados foi realizada de forma retrospectiva, por meio da análise de prontuários, o que poderia levar a um viés de aferição dos desfechos. No entanto, nosso centro apresenta uma rotina de cuidados peri e pós-procedimento que contempla as variáveis coletadas, o que mitiga o viés potencial. Ainda, o número de pacientes estudados pode não ter sido suficiente para detectar diferença estatisticamente significativa entre os grupos com relação a desfechos de menor incidência. Outro ponto importante é que, embora a densidade de incidência para eventos isquêmicos tenha sido maior em nosso estudo no grupo AVK, isso não significa uma superioridade de uma estratégia sobre a outra no período pós-ablação. Conforme demonstrado, os pacientes em uso de AVK possuem características diferentes daqueles que usaram NOAC. A comparação entre dois grupos absolutamente distintos de pacientes é uma significativa limitação deste estudo. Além do viés causado pelo desenho retrospectivo, o grupo AVK apresenta quase 23% dos pacientes de etiologia (contra nenhum do grupo NOAC). Os pacientes valvares claramente apresentammaior risco tromboembólico. Ainda, como se trata de umdesenho observacional, estratégias para controle rigoroso do tempo no alvo terapêutico (TTR) não foram realizadas e estudos desenvolvidos em nosso serviço demonstram um TTR médio em torno de 50% em nossa população. 23 Conclusão Esta coorte histórica aponta para a segurança na realização de procedimentos de ablação por radiofrequência de FLA típico com uso ininterrupto de anticoagulantes orais, independentemente da classe desse grupo de medicação. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa e Análise e interpretação dos dados: Leiria TLL; Obtenção de dados: Medeiros AK, Almeida ED, Ley ALG, Santos CBL; Análise estatística: Medeiros AK, Ley ALG; Redação do manuscrito: Leiria TLL, Almeida ED, Sant’Anna RT, Pires LM, Lima GG; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Sant’Anna RT, Kruse ML, Pires LM, Lima GG. Potencial conflito de interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. 155

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