ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Artigo Original Leiria et al Anticoagulantes ininterruptos e ablação de flutter Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):151-156 Introdução As diretrizes de terapia com anticoagulante oral 1 recomendam a suspensão dessas medicações e a realização de ponte com heparina, quando da realização de uma vasta gama de procedimentos invasivos emCardiologia. Recentemente, as novas classes de anticoagulantes orais não antagonistas da vitamina K (NOACs: rivaroxabana, apixabana, dabigatrana e edoxabana) se mostrarameficazes naprevençãodeeventos tromboembólicos em paciente portadores de fibrilação atrial (FA) e flutter atrial (FLA). 2 A ablação por cateter de FLA é um procedimento com alta taxa de sucesso na reversão para o ritmo sinusal. 3,4 Nesses casos são necessárias, pelo menos, quatro semanas de anticoagulação antes do procedimento, assim como nas cardioversões elétricas, para prevenção de acidente vascular cerebral (AVC) ou fenômenos tromboembólicos que podem ocorrer após a reversão do FLA para ritmo sinusal. 5 Estudos demonstram que o uso dos NOACs parece ser seguro na prevenção desses fenômenos tromboembólicos para a reversão para ritmo sinusal. 6,7 Após a ablação, o uso de anticoagulante é recomendado para todos os pacientes por, nomínimo, ummês após a reversão para ritmo sinusal. 5 O uso ininterrupto de anticoagulante oral para procedimentos de FA tem se mostrado seguro 8,9 e nossa instituição adota essa recomendação também para os pacientes com FLA. Nesse cenário, no entanto, há poucos estudos desenvolvidos no Brasil. O objetivo central do estudo foi demonstrar a segurança do uso ininterrupto de anticoagulação durante ablação de flutter comparando os pacientes emuso deNOACs comos antagonistas da vitamina K (AVKs). Mais especificamente, avaliamos a taxa de complicações hemorrágicas, bem como a ocorrência de eventos tromboembólicos no decorrer do seguimento. Métodos Nosso estudo trata-se de uma coorte histórica que inclui os procedimentos de ablação por FLA realizados em nosso serviço de Eletrofisiologia (Instituto de Cardiologia Fundação Universitária de Cardiologia do Rio Grande do Sul). De 5.506 procedimentos realizados entre os meses de novembro de 2012 e abril de 2016, 288 (5,2%) corresponderam a ablações por FLA. A coleta de dados contou com a descrição presente nos laudos eletrofisiológicos e com informações obtidas em prontuário eletrônico e físico disponível. Os pacientes que descontinuaram o acompanhamento no ambulatório do hospital foram selecionados para uma entrevista por telefone, com o consentimento registrado pelo ouvinte. FLA foi definido como arritmia atrial macroreentrante, caracterizada eletrocardiograficamente pela presença de ondas F com morfologia constante, com frequência atrial superior a 250 bpm. Considerou-se como FLA típico o eletrocardiograma (ECG) com presença de ondas F negativas nas derivações DII, DIII e a VF, e positivas em V1. 3 Os parâmetros de fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) e de diâmetro de átrio esquerdo (AE) foram coletados pelo mais recente ecocardiograma encontrado nos registros e que fora realizado anteriormente à ablação, o que inclui tanto exames transesofágicos (ETE) como transtorácicos (ETT). A fração de ejeção foi calculada utilizando os métodos de Teichholz ou Simpson, de acordo com a presença de disfunção segmentar. Os diâmetros do átrio foram avaliados utilizando o modo M. Os prontuários foram revisados com o intuito de registrar as informações clínicas necessárias para pontuação no escore de CHA 2 DS 2 VASc ( congestive heart failure , hypertension , age , diabetes , stroke , vascular disease , and female gender ): sexo, idade, diagnósticos de hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM), insuficiência cardíaca congestiva (ICC) ou FEVE < 50%, doença vascular periférica, infarto do miocárdio ou aterosclerose aórtica e histórico de AVE ou acidente isquêmico transitório (AIT). Os referidos diagnósticos foram definidos de acordo com publicações prévias. 10 Foram registrados dados de anticoagulação previamente à realização da ablação. Foramconsiderados comouso ininterruptode anticoagulantes os pacientes que estavam recebendo as seguintes medicações nas quatro semanas anteriores ao procedimento: AVKs (varfarina e femprocumona), com international normalized ratio (INR) entre 2 e 3,5, e NOACs (dabigatrana, rivaroxabana e apixabana). Todos os pacientes receberam a dose do NOAC no dia anterior ao procedimento, período da manhã ou da tarde, a critério do médico assistente e de acordo com a posologia do NOAC em uso (uma ou duas vezes ao dia). Nenhum dos casos foi feito com intervalo superior a 24h da administração dos NOACs de uso diário e de 12h dos de tomada dupla. A dose no dia da ablação era instituída quatro horas após a retirada das bainhas introdutoras. Os pacientes em uso de AVK receberam a dose da medicação também quatro horas após a retirada dos introdutores. Os pacientes foramacompanhados emâmbito ambulatorial, sendo a primeira consulta realizada entre um a três meses após a ablação, por meio de visita clínica e ECG de 12 (ECG). Durante o seguimento desses pacientes, também incluímos os dados referentes a atendimentos de emergência ou de internação realizados em nossa instituição. Os pacientes que descontinuaram o acompanhamento no ambulatório foram selecionados para uma entrevista por telefone para esclarecer: • se continuaram em uso do anticoagulante; • se apresentaram episódio de AVC ou AIT; • se tiveram alguma complicação tardia relacionada ao procedimento. O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do nosso hospital aprovou o protocolo do estudo e obtivemos consentimento de todos os ouvintes para a realização da entrevista. O estudo tem registro no CEP sob o número UP 5252/16. Desfechos Definimos como principais desfechos: a ocorrência de complicação hemorrágica durante o procedimento; entre essas incluímos tamponamento cardíaco, sangramento com necessidade de transfusão, sangramento com queda de dez pontos no hematócrito, complicação vascular local com necessidade de intervenção (eventos hemorrágicos maiores) e hematoma clinicamente não complicado (evento hemorrágico 152

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