ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Artigo Original Gripp et al Acurácia do strain longitudinal global para cardiotoxicidade Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):140-150 Introdução O progresso no tratamento de inúmeros tumores, incluindo a utilização de novos antineoplásicos, permitiu a redução da mortalidade associada ao câncer, com mais de 12 milhões de sobreviventes. 1 Entretanto, o aumento da sobrevida permitiu identificar efeitos colaterais, entre eles a cardiotoxicidade, responsável pelo aumento da mortalidade. 2,3 A Sociedade Europeia de Cardiologia em 2016 recomenda como diagnóstico: redução > 10% na fração de ejeção (FE), para valores abaixo da normalidade (53%). 4 Anterior a essa publicação, diferentes definições foram usadas para cardiotoxicidade, gerando dificuldades na avaliação da real incidência. 2 A definição mais comumente utilizada foi descrita pelo comitê de revisão cardíaca e de avaliação de cardiotoxicidade associada ao trastuzumab, sendo caracterizada pela redução de 5% ou mais para valores abaixo de 55% de FE, acompanhado de sinais e/ou sintomas de insuficiência cardíaca (IC) ou redução de 10% ou mais para valores abaixo de 55% de FE, sem clínica de IC. 5-8 A cardiotoxicidade é um efeito colateral bem estabelecido de vários antineoplásicos, particularmente antracíclicos e trastuzumab, usados no tratamento de câncer de mama. 9,10 A identificação de pacientes com alto risco de desenvolver a cardiotoxicidade seria a estratégia ideal para redução da mortalidade. O strain longitudinal global (SLG) está sendo utilizado na prática clínica com o intuito de detectar precocemente as alterações da função contrátil miocárdica; 11 no entanto, ainda não há uma padronização de seu uso e o ponto de corte como preditor de cardiotoxicidade. O consenso realizado entre a Sociedade Americana e a Europeia demonstrou que as alterações de deformidade precedem a disfunção ventricular. Redução > 15% do SLG, imediatamente após ou durante o tratamento com antracíclicos, foi o parâmetro mais útil em predizer cardiotoxicidade, enquanto uma redução menor que 8% provavelmente excluiria seu diagnóstico. 12 Entretanto, existe uma zona cinzenta entre esses valores. Os objetivos de nosso estudo foram avaliar a incidência de cardiotoxicidade associada ao tratamento antineoplásico para o câncer de mama, identificar os fatores de risco independentes associados com esse evento (medicamentos, dose, radioterapia, dados clínicos e variáveis ecocardiográficas) e identificar o melhor ponto de corte do valor do SLG para a detecção precoce, anterior à redução da FE. Métodos Estudo prospectivo e observacional de pacientes ambulatoriais consecutivos, encaminhados ao ambulatório de Oncologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), Rio de Janeiro, Brasil, com diagnóstico confirmado de câncer de mama e indicação de tratamento antineoplásico potencialmente cardiotóxico. A coleta de dados foi realizada no período de 22/01/2015 a 19/06/2016, mediante preenchimento de uma ficha onde constavam informações clínicas do paciente, exame físico, dados ecocardiográficos e o tratamento proposto. Os critérios de inclusão foram: idade ≥ 18 anos; diagnóstico de câncer de mama, sem tratamento com antineoplásicos e/ou radioterapia prévios; FE normal, de acordo com as últimas recomendações das sociedades americana e europeia de ecocardiografia 13 (acima de 54% pelo Simpson), no primeiro ecodopplercardiograma antes do tratamento; e planejamento de tratamento antineoplásico com antracíclicos e/ou trastuzumab. Os critérios de exclusão foram: impossibilidade de avaliação precisa do SLG devido à janela acústica inadequada; presença de arritmias cardíacas e/ou ritmos não sinusais; uso de β -bloqueadores e/ou inibidores da enzima conversora da angiotensina e/ou bloqueadores do receptor da angiotensina; e patologias valvares com graduação maior que leve. Os pacientes que contemplaram os critérios de inclusão foram encaminhados para a realização de ecodopplercardiograma basal (antes do início do antracíclico) e a cada 3 meses, com seguimento de 6 a 12 meses no HUCFF. Todos os exames foram realizados por um único ecocardiografista, cego para o tratamento instituído. Dois protocolos distintos de antineoplásicos foram utilizados: 1. FEC (5-fluoracil 500 mg/m 2 , epirrubicina 100 mg/m 2 e ciclofosfamida 500 mg/m 2 ) em 3 ciclos, a cada 21 dias, seguido de docetaxel 100 mg/m 2 em outros 3 ciclos, a cada 21 dias; 2. Doxorrubicina 60 mg/m 2 e ciclofosfamida 600 mg/m 2 a cada 21 dias, emquatro aplicações, seguido de paclitaxel 80 mg/m 2 semanal por 12 ciclos, tanto para tratamento adjuvante como neoadjuvante. As pacientes elegíveis para trastuzumab deveriam ter a avaliação genética com pesquisa do receptor 2 do fator de crescimento epidérmico humano (HER2). Naquelas com HER2 positivo (+++/+++) ou ainda HER2 duvidoso (++/+++), mas FISH ( Fluorescence in Situ Hybridization ) positivo, era indicado tratamento adjuvante. O trastuzumab era oferecido por 1 ano, compreendendo 18 aplicações com intervalo de 21 dias, com dose de ataque correspondendo a 8 mg/kg, seguida de manutenção 6mg/m 2 . No período de 19 meses (22/01/2015 a 19/06/2016), 58 pacientes foram encaminhadas pelo Serviço de Oncologia do HUCFF para realização do ecodopplercardiograma. Dessas, 9 foram excluídas devido à janela acústica inadequada e, dentre essas, 2 estavam em uso de β -bloqueador, restando 49 pacientes que constituíram a população do estudo. Ecodopplercardiograma O ecodopplercadiograma foi realizado na posição lateral esquerda, em repouso e no aparelho Vivid S6-GE (GE, Vingmed Ultrassound Horten, Noruega), monitor LCD 17”, com aquisição de imagens pelo transdutor 3S, com harmônica, sendo as medidas reavaliadas por um segundo observador, também cego e com expertise no método, seguindo-se de testes de concordância interobservador. Todos os exames foram realizados em um único aparelho. O setor e profundidade foram ajustados para otimizar a imagem. As medidas e aquisição de imagens seguiram as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia e da Associação Europeia de Imagem Cardiovascular. 13 141

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