ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Artigo Original Rabelo et al Presença e Extensão da Fibrose Miocárdica na Forma Indeterminada da Doença de Chagas Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):124-131 demonstrou-se que a função ventricular e os parâmetros clínicos são semelhantes entre essas duas formas. A RMC é utilizada há décadas com a finalidade de avaliação anatômica e funcional do coração. A sua importância deriva das características de ser não invasiva, não usar radiação ionizante e sua alta resolução, que permite múltiplos estudos da anatomia cardíaca, função e caracterização tecidual com a técnica de realce tardio. 19-21 Estudos anteriores validaram a quantificação de fibrose miocárdica pela RMC na população portadora de doença de Chagas. 22,23 Rochitte et al., 17 em 2005, avaliaram a RMC, com o uso da técnica de realce tardio, em 51 pacientes com cardiopatia chagásica, descrevendo fibrose em 68,6% de todos os indivíduos avaliados e em 100% naqueles com taquicardia ventricular. 17 Enquanto Regueiro et al., 23 relatam fibrose em 7,4% na forma indeterminada, 15,8% na forma cardíaca sem disfunção ventricular e 52,4% naqueles com disfunção ventricular, em pacientes que vivem fora da zona endêmica da doença. Nós encontramos percentual de acometimento de fibrose similar ao estudo anterior (64%), evidenciando também progressivo acometimento nos pacientes com disfunção do VE (92%). 17 Entretanto, adicionalmente a pesquisas anteriores, nossos dados demonstram prevalência de realce, assim como o percentual de área acometida por fibrose, similar entre a forma indeterminada e a forma sem disfunção do VE. Não encontramos diferença quanto à localização subendocárdica e transmural da fibrose. A descrição das alterações ultraestruturais cardíacas que ocorrem na fase indeterminada da doença de Chagas foram inicialmente relatadas em indivíduos com sorologia positiva durante necropsia após morte acidental. 12 No entanto, a designação como forma indeterminada ficou prejudicada visto a impossibilidade da análise de alterações eletrocardiográficas. Utilizando modelo canino, em 1997, Andrade et al., 24 interpretaram que a forma indeterminada da doença é caracterizada por ciclo autolimitado de alterações inflamatórias focais, commodulação e supressão de respostas imunes mediadas por células. Assim, consideraram que a forma indeterminada da doença de Chagas caracteriza-se pelo equilíbrio hospedeiro-parasita em vez de um processo de dano progressivo. 24 Já em 1978, Andrade et al., 13 relataram que as lesões de miocardite chagásica crônica não são distribuídas aleatoriamente pelo sistema de condução atrioventricular, havendo claramente uma distribuição preferencial das lesões no sistema de condução. Atualmente, sabemos que uma grande percentagem de pacientes na forma indeterminada tem evidências de envolvimento cardíaco na avaliação não invasiva mais detalhada. 25 Os dados do presente estudo demonstram que o uso da RMC não é capaz de diferenciar a forma indeterminada da forma clínica sem disfunção do VE, visto que o percentual de fibrose foi similar entre as duas formas clínicas. Neste estudo o percentual de acometimento de fibrose na forma indeterminada (41,2%) foi semelhante ao percentual na forma cardíaca sem disfunção do VE (43,8%), dado esse não relatado previamente. Algumas limitações do estudo devem ser reconhecidas. Não foram realizados testes anatômicos visando afastar em definitivo a etiologia isquêmica como causa da fibrose miocárdica. Para minimizar essa possibilidade foi feito teste ergométrico em todos os indivíduos, além de ter como critério de exclusão a presença de fatores de risco para aterosclerose. Embora reconheça-se que para descartar definitivamente a doença arterial coronariana seria necessária uma angiografia Tabela 2 – Características da forma indeterminada versus cardíaca sem disfunção do ventrículo esquerdo Variáveis Forma indeterminada (n = 17) Forma cardíaca sem disfunção ventricular (n = 16) valor de p Escore de Rassi 2 (0 – 2) 6 (1 – 8) 0,30‡ Área de fibrose à RMC (%) 4,1 (2,1 – 10,7) 2,3 (1 – 5) 0,18‡ Fração de ejeção do VE (%) 72 ± 8 67 ± 6 0,09† Taquicardia ventricular (%) – 20 0,001* METS 10 ± 3 9,4 ± 2 0,60† VO 2 máximo 35 ± 10 33 ± 7 0,47† NT-ProBNP (pg/mL) 125 (34 – 108) 171 (73 – 181) 0,61‡ PCR ultrassensível (mg/L) 1,7 (0,35 – 6,5) 1,2 (0,51 – 4,7) 0,40‡ Troponina I (ng/mL) 0,012 (0,0 – 0,012) 0,012 (0,012 – 0,028) 0,31‡ IL-2 (pg/mL) 0,21 (0,03 – 0,55) 0,27 (0,03 – 0,96) 0,14‡ IL-4 (pg/mL) 0,62 (0,00 – 1,6) 0,37 (0,2 – 2,2) 0,83‡ IL-6 (pg/mL) 2,26 (1,39 – 4,35) 3,98 (2,01 – 6,22) 0,50‡ IL-10 (pg/mL) 0,44 (0,19 – 1,06) 0,63 (0,50 – 1,61) 1,47‡ TNF-alfa (pg/mL) 0,48 (0,14 – 1,15) 0,72 (0,58 – 2,71) 1,16‡ IFN-gama (pg/mL) 2,07 (1,30 – 4,35) 2,15 (1,69 – 6,73) 0,51‡ RMC:ressonânciamagnéticacardíaca;VE:ventrículoesquerdo;METS:metabolicequivalentof task;VO 2 máximo:volumedeoxigêniomáximo;NT‑ProBNP:N-terminal pro B-type natriuretic peptide. *Teste exato de Fisher; †teste t de Student; ‡teste de Mann-Whitney. Dados expressos em média ± desvio-padrão ou percentual (%) para variáveis discretas e mediana e intervalo interquartil para variáveis continuas com distribuição não normal. 129

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