ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Artigo Original Rabelo et al Presença e Extensão da Fibrose Miocárdica na Forma Indeterminada da Doença de Chagas Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):124-131 Introdução A doença de Chagas é um problema endêmico em países da América Latina, de caráter potencialmente debilitante, já tendo promovido perda estimada de 750 mil anos de vida produtiva. 1-5 Reconhece-se a presença de três estágios na doença de Chagas: agudo, indeterminado e crônico. 4,6 Após a fase aguda, cerca de dois terços dos pacientes infectados permaneceram na forma indeterminada, caracterizada pela ausência de manifestações clínicas, eletrocardiográficas ou radiológicas significativas. No entanto, esses pacientes não ficam livres de ter a doença manifestada e um terço progride para algum tipo de manifestação cardíaca e/ou digestiva, sendo reclassificados como crônicos. 7 A identificação do paciente da forma indeterminada propenso a evoluir para a forma crônica serviria de base para a pesquisa de estratégias preventivas e ummelhor entendimento dos processos patológicos que levam a essa evolução. No entanto, não há marcadores nem modelos preditores capazes de estimar o risco dessa mudança. Nessa linha de raciocínio, vários pesquisadores consideram a fibrose miocárdica como um possível substrato para o desenvolvimento e a progressão da disfunção ventricular, arritmia e para a morte. 3,8-10 O processo etiopatogênico que promove a fibrose envolve uma relação multifatorial entre os aspectos relacionados ao agente etiológico e aqueles relativos ao hospedeiro 2,11-14 O advento da ressonância magnética cardíaca (RMC), com a utilização da técnica de realce tardio, permite a identificação de fibrose miocárdica, sendo considerada padrão-ouro com estreita correlação anatomopatológica. 15 Há evidências de que a RMC é capaz de fornecer imagens com alta resolução espacial e elevada acurácia na avaliação da função ventricular. 16 Dados prévios têm demonstrado que mesmo pacientes com a forma indeterminada podem apresentar fibrose miocárdica quando testados por RMC. 17 No entanto, são poucos os dados disponíveis quanto ao grau de fibrose miocárdica apresentada por esses indivíduos, o que guardaria relação com o potencial dessa variável na predição de evolução para a forma cardíaca. O intuito deste trabalho é descrever a frequência e a extensão da fibrose miocárdica avaliada por RMC em pacientes da forma indeterminada. A fim de contextualizar essa magnitude, esses pacientes foram comparados ao grupo com forma crônica cardíaca com ou sem disfunção do ventrículo esquerdo. Métodos População do estudo Indivíduos com doença de Chagas foram recrutados, entre janeiro de 2012 e dezembro de 2013, no ambulatório de doença de Chagas do Hospital São Rafael, centro de referência terciário em Salvador, Bahia, Brasil. Os critérios de inclusão foram: idade entre 18 e 70 anos e diagnóstico da doença de Chagas confirmado por dois testes sorológicos positivos (hemaglutinação indireta e imunofluorescência indireta). Os critérios de exclusão foram: forma aguda da doença de Chagas; infarto do miocárdio prévio ou doença arterial coronariana conhecida ou presença de dois fatores de risco; doença valvular primária; doença renal terminal em diálise; hepatite ativa ou cirrose; doenças hematológicas, neoplásicas ou ósseas e contraindicação para ressonância magnética. O estudo cumpriu o determinado pela Declaração de Helsinki e foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital São Rafael. Todos os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Informado antes de sua inclusão. Formas da Doença de Chagas A forma indeterminada foi definida pela presença de infecção pelo Trypanosoma cruzi na ausência de manifestações clínicas e sinais de envolvimento cardíaco caracterizado por eletrocardiograma, radiografia de tórax e ecocardiograma normais. A forma cardíaca semdisfunção ventricular foi definida por indivíduos com envolvimento cardíaco conhecido por eletrocardiograma anormal (tipicamente, bloqueio de ramo direito e hemibloqueio ântero-superior esquerdo) e sem disfunção ventricular esquerda ao ecocardiograma; e a forma cardíaca com disfunção ventricular foi composta por indivíduos com fração de ejeção ventricular esquerda reduzida. Dados clínicos e laboratoriais Todos os indivíduos realizaram exames bioquímicos, eletrocardiograma de 12 derivações, radiografia de tórax, holter 24 horas, teste ergométrico, ecocardiograma com doppler e RMC. Para classificação do escore de Rassi foi conferida pontuação da seguinte forma: classes funcionais III e IV pela New York Heart Association (NYHA) (5 pontos), cardiomegalia ao raio-X (5 pontos), disfunção ventricular esquerda global ou segmentar ao ecocardiograma (3 pontos), taquicardia ventricular não sustentada ao holter 24 horas (3 pontos), baixa voltagem do QRS ao eletrocardiograma (2 pontos) e sexo masculino (2 pontos). Foram então classificados em 3 grupos de risco de acordo com a pontuação obtida: baixo risco (0 a 6 pontos), risco intermediário (7 a 11 pontos) e alto risco (12 a 20 pontos). 18 Ressonância magnética cardíaca A RMC foi realizada utilizando-se o sistema Sigma HDx1,5-T (General Electric; Fairfield, CT, EUA). Para avaliação da função do ventrículo esquerdo foram adquiridas imagens sincronizadas ao eletrocardiograma, em apneia expiratória, nos planos eixo curto, eixo longo e quatro câmaras, em sequências diferentes. Os parâmetros de aquisição aplicados para a sequência dinâmica foram: tempo de repetição (TR) de 3,5 ms, tempo de eco (TE) de 1,5 ms, ângulo de inclinação ( flip angle ) de 60º, largura de banda de 125 kHz, campo de visão de 35 x 35 cm, matriz de 256 x 148, resolução temporal (RT) de 35 ms, espessura de corte de 8,0 mm, sem intervalo entre os cortes. Imagens por técnica de realce tardio foram adquiridas a cada batimento cardíaco, 10 a 20minutos após a administração de um contraste à base de gadolínio (0,1 mmol/kg), utilizando TR de 7,2 ms, TE de 3,1 ms, ângulo de inclinação de 20º, primeira fase do ciclo cardíaco, número de linhas por seguimento de 16/32, tamanho da matriz 256 x 192, espessura de corte de 8,0 mm, intervalo entre os cortes de 2 mm, campo de visão de 32 a 38 cm, tempo 125

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