ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Artigo Original Soeiro et al TSH versus SCA Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):113-118 Introdução Pacientes comdoença não tireoidiana grave com frequência apresentam distúrbios concomitantes da função tireoidiana. Na doença não tireoidiana grave, incluindo infarto agudo do miocárdio (IAM), o sistema hormonal tireoidiano pode estar desregulado. Tal condição pode induzir mudanças em um ou mais aspectos desse sistema, levando à denominada 'síndrome do doente eutireoidiano', que representa um desafio diagnóstico e terapêutico para o clínico. O sistema cardiovascular‚ muito sensível aos hormônios tireoidianos, e um amplo espectro de mudanças cardíacas há muito‚ reconhecido na disfunção tireoidiana manifesta. 1-3 O real valor do hormônio tireoestimulante (TSH) como marcador de prognóstico na síndrome coronariana aguda (SCA) é incerto. Este estudo teve por objetivo analisar os desfechos de pacientes com SCA, relacionando-os aos níveis de TSH medidos no setor de emergência. Métodos População do estudo Trata-se de estudo observacional, retrospectivo de análise de banco de dados realizado em um centro de saúde terciário, envolvendo 505 pacientes com SCA incluídos entre maio de 2010 e maio de 2014. Os pacientes foram divididos em dois grupos: TSH < 4 mUI/L (grupo I, n = 446) e TSH > 4 mUI/L (grupo II, n = 59). Pacientes com distúrbios tireoidianos conhecidos foram excluídos. Todos os pacientes foramdiagnosticados e tratados conforme as diretrizes das Forças-Tarefas da AHA/ESC. 4,5 Todos os pacientes foram submetidos a intervenção coronariana percutânea menos de 24 horas após instalação da SCA. Odesfecho primário foi mortalidade intra-hospitalar por todas as causas. Os desfechos secundários foram eventos cardíacos adversos maiores (ECAM), que incluíram morte (por qualquer causa), angina instável não fatal ou IAM/revascularização de vaso-alvo, choque cardiogênico, sangramento (maior e menor) e acidente vascular encefálico. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa. Métodos analíticos Os seguintes dados foram obtidos: idade, sexo, diabetes, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, dislipidemia, história familiar de doença arterial coronariana prematura, insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana prévia, acidente vascular encefálico prévio, hematócrito, creatinina, níveis de troponina mais altos, pressão arterial sistólica, fração de ejeção ventricular esquerda e medicamentos usados nas primeiras 24 horas (Tabela 1). Uma amostra de sangue foi colhida imediatamente após a internação, antes da administração dos medicamentos (basal) e diariamente, de acordo com o protocolo da instituição. Dosou-se o TSH rotineiramente em todos os pacientes com SCA. Os marcadores cardíacos, como troponina-I, foram medidos com os exames bioquímicos padrão. O limite superior da normalidade foi de 0,04 ng/mL (percentil 99) para troponina-I medida pelo imunoensaio de 4 a geração Elecsys 2010 (Siemens Healthcare Diagnostics Inc., EUA). Utilizou-se o escore BARC 6 para quantificar sangramento como se segue: tipos 3 e 5, sangramento maior; e tipos 1 e 2, sangramento menor. Sangramentos pós-operatórios não foram considerados. Análise estatística A análise descritiva dos dados colhidos incluiu mediana e valores mínimos e máximos. As variáveis categóricas foram expressas como porcentagens. As comparações entre grupos foram realizadas com ANOVA de uma via e teste do qui‑quadrado (variáveis categóricas), adotando-se o nível de significância de p < 0,05. Quando o teste de Kolmogorov‑Smirnov confirmou uma distribuição normal, as variáveis contínuas foram apresentadas como m‚dia ñ desvio padrão, e comparadas usando-se o teste t de Student para amostras independentes. O teste U deMann-Whitney foi usado para comparar variáveis contínuas de distribuição não normal, que foram apresentadas como mediana e intervalo interquartil. Realizou-se análise multivariada com regressão logística, sendo um p valor < 0,05 considerado significativo. A Tabela 1 apresenta as características basais dos pacientes. Todos os procedimentos estatísticos foram realizados com o programa estatístico SPSS, versão 10.0. Resultados A mediana da idade foi 63 anos, e 59% dos pacientes eram do sexo masculino. A Tabela 1 apresenta as características basais dos pacientes e a análise univariada. Observou-se infarto domiocárdio comsupradesnivelamento do segmento ST (IMCSST) em 18% dos pacientes do grupo I vs. 24% daqueles do grupo II (p = 0,08) (Figura 1). A Tabela 2 mostra a análise multivariada e descreve as diferenças entre os grupos I e II para eventos combinados (14,80% vs. 27,12%, respectivamente, OR= 3,05; p = 0,004), choque cardiogênico (4,77% vs. 6,05%, respectivamente, OR = 4,77; p = 0,02) e sangramento (12,09% vs. 15,25%, respectivamente, OR = 3,36; p = 0,012). Discussão O principal achado deste estudo está de acordo com dados já publicados, mostrando que os ECAM intra-hospitalares de pacientes com SCA associaram-se a níveis de TSH mais altos. Além disso, mostrou-se relação entre TSH e choque cardiogênico e sangramento. Existem várias possíveis explicações fisiopatológicas para a relação incerta entre pior prognóstico e hormônios tireoidianos nas doenças cardiovasculares. Numerosos estudos concentraram-se no impacto da disfunção tireoidiana subclínica no desenvolvimento da doença cardiovascular, especialmente SCA. Entretanto, não se sabe se os níveis de TSH eram mais altos antes da SCA ou se aumentaram por ocasião da SCA. 2,3,7-11 A triiodotironina atua através de interações com as isoformas dos receptores α , α 1 ou α 2, e dos receptores β , β 1, β 2 ou β 3. 2,3,12,13 Quanto à sua distribuição cardíaca, esses 114

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