ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Relato de Caso Um Caso de Displasia Arritmogênica do Ventrículo Direito Pré-natal A Prenatal Case of Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia Lilian Maria Lopes, 1 Juliana Torres Pacheco, 1 Regina Schultz, 2 Rossana Pulcineli Vieira Francisco, 1 Marcelo Zugaib 1 Clinica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP); 1 Departamento de Patologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 2 São Paulo, SP – Brasil Correspondência: Juliana Torres Pacheco • Rua Capitão Macedo, 314/44. CEP 04021-020, Vila Mariana, São Paulo, SP – Brasil E-mail: ju.pacheco@yahoo.com.br Artigo recebido em 05/07/2016, revisado em 13/12/2016, aceito em 11/01/2017 Palavras-chave Displasia Arritmogênica Ventricular Direita; Feto / ecocardiografia; Cuidado Pré-Natal; Gravidez. DOI: 10.5935/abc.20180022 Introdução A displasia arritmogênica do ventrículo direito (DAVD) é um distúrbio do músculo cardíaco que se caracteriza patologicamente pela substituição fibrótica do miocárdio ventricular direito (e às vezes esquerdo). 1 Em 30-90% dos casos, é uma condição hereditária com uma forma de transmissão autossômica dominante. 2 E com expressão variável. Nesse artigo, discutimos um caso raro de DAVD fetal e seu difícil diagnóstico pré-natal, apenas confirmado na autópsia pós-natal. Relato de caso Uma mulher saudável de 33 anos (gravida 4, para 2) foi encaminhada ao nosso centro terciário com 27 semanas de gestação após ecocardiograma fetal prévio mostrando uma progressão inexplicada de insuficiência cardíaca congestiva mesmo após controle da taquiarritmia com digoxina associada à amiodarona. A mãe tinha sido atendida em outra clínica particular desde 18 semanas de gestação, quando foi feito o diagnóstico de um coração fetal estruturalmente normal, contrações atriais prematuras e taquicardia supraventricular com frequência cardíaca de 180bpm, tratada inicialmente com digoxina. A paciente foi então encaminhada à nossa unidade, e o ecocardiograma fetal realizado com 27 semanas de gestação mostrou ritmo sinusal com contrações ventriculares prematuras, evidência de dilatação global de todas as câmaras com fração de encurtamento do ventrículo esquerdo no limite inferior (28%, normal >28%) e um ventrículo direito funcionalmente acinético (8%, normal> 28%). A presença de baixa velocidade de regurgitação tricúspide de 0,80 m/s e um fluxo reverso ao nível do ducto arterioso com insuficiência pulmonar sugeriu uma pressão sistólica ventricular direita um pouco menor (Figura 1). Identificamos hidropsia fetal com ascite, derrame pleural, derrame pericárdico e edema cutâneo. Os índices de Doppler umbilical e o padrão de fluxo do ducto venoso estavam dentro dos limites normais, mas houve pulsações venosas umbilicais anormais. A pontuação no score cardiovascular foi seis. 3 A insuficiência cardíaca se agravou nos dias subsequentes e, com 28 semanas de gestação, a paciente foi hospitalizada para investigar outras possíveis causas de insuficiência cardíaca fetal, como infecções, síndromes e transtornos genéticos. O histórico clínico familiar da paciente era normal, e não havia sinais clínicos ou sorológicos de infecção. Essa paciente havia apresentado, em sua primeira gravidez, morte fetal com 20 semanas de gestação, e em sua segunda gravidez ocorreu um aborto espontâneo. No mesmo ano, sua terceira gravidez evoluiu para disfunção biventricular, hidropsia fetal e taquiarritmia intermitente, novamente interpretada por outra equipe como supraventricular. Foi tentado digoxina transplacentária na 25ª semana de gestação, a qual não evitou a progressão da insuficiência cardíaca. Com 29 semanas de gestação, o feto nasceu através de cesariana e viveu por 14 horas. A autópsia fetal não foi realizada Considerando as perdas fetais anteriores, as semelhanças do histórico clínico da atual gravidez com a terceira gravidez em relação às arritmias e o achado importante de acinesia ventricular direita no ecocardiograma fetal atual, suspeitou‑se de uma condição hereditária e o diagnóstico de displasia arritmogênica do ventrículo direito foi considerado. Com 29 semanas de gestação, observou-se diminuição do movimento fetal no exame ultrassonográfico e uma cesariana foi indicada. Oparto de um fetomasculino natimorto de 1790 g foi realizado e o exame histológico revelou ascite moderada e derrame pleural. As câmaras cardíacas estavammuito dilatadas, as paredes do ventrículo direito eram muito pálidas e finas, o ventrículo esquerdo tinha um aneurisma no ápice e o ventrículo direito apresentava tecido fibroso e aglomerados de adipócitos intercalados com fibras miocárdicas. Discussão Marcus et al., 4 descreveram uma entidade denominada displasia arritmogênica do ventrículo direito, baseada em Fontaine (1979), caracterizada por deficiência localizada ou substituição de tecido fibroadiposo do miocárdio ventricular direito, no chamado "triângulo da displasia" (fluxo de entrada, saída e regiões apicais do ventrículo direito), resultando em alterações funcionais e morfológicas que proporcionam um substrato para arritmias e insuficiência cardíaca, 4 diferente da doença de Uhl, caracterizada por uma parede do ventrículo direito tão fina quanto papel e quase desprovida de fibras musculares, embora nos últimos anos tenha havido confusão entre os dois termos. Além disso, a arritmia é mais frequente na DAVD, que normalmente tem uma origem ventricular direita, variando de frequentes contrações ventriculares prematuras (CVPs) à taquicardia ventricular 5 (TV). Embora nossa paciente 201

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