ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Correlação Anatomoclínica Favarato e Benvenuti Cardiopatia com arritmia e síncope Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):195-200 Figura 1 – Vista externa da face anterior do coração explantado. A gordura epicárdica é abundante, notando-se formação aneurismática colapsada na via de saída do ventrículo direito (asteriscos). Hipótese diagnóstica: Cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito. (Dr. Desiderio Favarato) Exame anatomopatológico O coração explantado pesou 576 g, encontrando-se sem grande parte do átrio esquerdo. Apresentava volume muito aumentado e forma globosa, e abundante gordura subepicárdica. Havia área de abaulamento de limites imprecisos na via de saída do ventrículo direito, configurando aneurisma (Figura 1). O ventrículo direito apresentava dilatação proeminente, com presença de cabo metálico (cabo do cardiodesfibrilador) impactado no seu ápice, focalmente aderido à borda livre da valva tricúspide. Havia substituição gordurosa extensa, difusa, da porção compacta da parede livre do ventrículo direito na via de entrada, ápice e via de saída (Figura 2). O ventrículo esquerdo apresentava dilatação moderada e hipertrofia da parede, com focos isolados de substituição fibrogordurosa subepicárdica (Figura 3). O exame histológico confirmou o aspecto macroscópico de substituição gordurosa do miocárdio, havendo também fibrose (Figura 4). As áreas mais preservadas do miocárdio exibiam hipertrofia dos cardiomiócitos, focos de fibrose e discreto infiltrado inflamatório linfo-histiocitário intersticial. O endocárdio estava espessado e esbranquiçado na área do aneurisma da via de saída do ventrículo direito. As valvas cardíacas e as coronárias epicárdicas não apresentavam particularidades. Não havia trombos cavitários. (Dr. Luiz Alberto Benvenuti) Diagnóstico anatomopatológico: Cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito. (Dr. Luiz Alberto Benvenuti) Comentários Caso de homem jovem, de 36 anos de idade, com cardiopatia caracterizada por episódios de síncope desde os 20 anos de idade, cardiomegalia e disfunção ventricular, tendo sido implantado cardiodesfibrilador em 2001. O estudo eletrofisiológico evidenciou cicatrizes e potencias tardios em diversas regiões do ventrículo direito, com indução de taquicardia ventricular em exame de 2015. Devido à progressão da disfunção ventricular e insuficiência cardíaca foi submetido a transplante cardíaco em 2016. O exame anatomopatológico do coração explantado revelou tratar-se de cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito, com acentuada substituição adiposa da porção compacta de todo esse ventrículo, com formação de aneurisma na via de saída. Havia também acometimento do ventrículo esquerdo, que exibia focos de infiltração fibroadiposa subepicárdica. A cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito, também chamada de displasia arritmogênica, é cardiomiopatia primária de base genética, tendo mais comumente herança autossômica dominante. Já foram identificadas várias mutações relacionadas à doença, geralmente em genes relacionados à codificação de proteínas do desmossomo, sendo os mais conhecidos os genes da desmoplaquina e da placoglobina. Pode estar associada à síndrome de Carvajal ou à doença de Naxos (queratose palmo-plantar/cabelos lanosos). A cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito é causa frequente de morte súbita em jovens, sendo considerada a principal causa de morte súbita associada à atividade esportiva na Itália. 8 A doença pode se restringir ao ventrículo direito, com arritmias muitas vezes severas, mas, nas formas com insuficiência cardíaca progressiva, como no presente caso, é comum o acometimento também do ventrículo esquerdo. Como pode haver acometimento biventricular, muitos advogam o uso do termo cardiomiopatia arritmogênica. O diagnóstico da doença é complexo e multifatorial, devendo-se considerar 198

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