ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Correlação Anatomoclínica Favarato e Benvenuti Cardiopatia com arritmia e síncope Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):195-200 O acometimento cardíaco da sarcoidose tem como principais manifestações os bloqueios atrioventriculares, as arritmias malignas e a morte súbita, todos causados pela infiltração do sistema de condução e miocárdio por granulomas não caseosos. Alguns estudos revelaram que, em pacientes com sarcoidose pulmonar ou sistêmica, há acometimento cardíaco em 5% dos casos e em até 25% dos estudos de necropsia. Contudo, exames de imagem demonstram acometimento em até 50% dos pacientes. Indivíduos com sarcoidose extracardíaca comprovada por biópsia devem ser interpelados para os sintomas de síncope, pré-síncope ou palpitações. O ECG é exame obrigatório em todos os pacientes com sarcoidose e, se alguma anormalidade for encontrada, o ecocardiograma e outros exames de imagem, como a ressonância magnética e o PET com glicose marcada com flúor-14, podem ser úteis. 3 O presente caso poderia se encaixar perfeitamente no diagnóstico de sarcoidose, contudo, não houve comprovação de sarcoidose extracardíaca, principalmente o acometimento pulmonar, que é o mais comum. A cardiomiopatia hipertrófica pode ser causa de síncopes e morte súbita, contudo, no presente caso, não havia hipertrofia cardíaca com pelo menos uma parede com espessura maior ou igual a 15 mm. 4 A cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo é doença genética por mutações dos genes codificadores da desmosina, caracterizando-se pela substituição fibrogordurosa do miocárdio do ventrículo direito. As alterações podem se iniciar em três regiões do ventrículo direito: trato de entrada, trato de saída ou ponta. Os critérios diagnósticos dessa doença foram revisados por uma força-tarefa em 2010. Incluem critérios eletrocardiográficos, de imagens ao ecocardiograma, ressonância magnética e ventriculografia direita, história familiar e alterações tissulares na biopsia endomiocárdica. No ECG de repouso, os critérios maiores são: presença de ondas T invertidas de V 1 a V 3 em indivíduos acima de 14 anos, na ausência de bloqueio de ramo direito (QRS ≥ 120 ms), presença de ondas épsilon no final do QRS em V 1 a V 2 . Os critérios menores são: inversão de onda T em V 1 e V 2 , na ausência de bloqueio de ramo direito, ou V 4 a V 6 ;ou ainda onda T invertida em V 1 a V 4 na mesma faixa etária com bloqueio de ramo direito, ECG de alta resolução com duração ≥ 114 ms e presença de potenciais de baixa voltagem tardios (< 40 µV), isto é, nos últimos momentos do complexo QRS, > 38 ms. Quanto à presença de arritmias, é critério maior a presença de taquicardia ventricular sustentada ou não com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo com eixo superior. Os critérios menores são: taquicardia ventricular com morfologia de QRS de bloqueio de ramo esquerdo com eixo para baixo ou extrassístoles ventriculares frequentes > 500/24horas. Na ecocardiografia bidimensional, são considerados critérios maiores acinesia, discinesia ou aneurisma regionais de ventrículo direito acompanhados de uma das seguintes alterações: dilatação do trato de saída do ventrículo (≥ 32 mm) ou seu índice corrigido para superfície corpórea ≥ 19 mm/m² no eixo longo; ≥ 26 mm ou seu índice corrigido pela superfície corporal ≥ 21 mm/m² no seu eixo curto; ou fração de ejeção ≤ 33%. E critérios menores: acinesia ou discinesia regionais do ventrículo direito e uma das seguintes alterações: dilatação de via de saída ≥ 29 e < 32 mm ou seu índice corrigido ≥ 16 e < 19 mm/m² no eixo longo; ou no eixo curto entre ≥ 32 e < 36 mm ou com correção para superfície corpórea ≥ 18 e < 21 mm/m²; ou fração de ejeção entre > 33% e ≤ 40%. Na ressonância magnética, são considerados critérios maiores, além de acinesia ou discinesia, a contração assincrônica do ventrículo além de uma das seguintes alterações: índice diastólico final de ventrículo direito ≥ 110 ml/m² em homens e ≥ 100ml/m² em mulheres; ou fração de ejeção ≤ 40%. Os critérios menores são as alterações de motilidade já descritas para os critérios maiores acompanhadas por índice diastólico final de ventrículo direito ≥ 100 e < 110 ml/m² em homens e ≥ 90 e < 100 ml/m² em mulheres, ou fração de ejeção > 40% e ≤ 45%. A história familiar tem força de critério maior quando a cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito foi diagnostica emparentes de 1º grau tanto por preencheremos critérios acima descritos quanto por biopsia ou autopsia positiva ou, ainda, se houver comprovação da presença das mutações relacionadas ao desenvolvimento da cardiomiopatia. Os critérios menores são: suspeita não passível de comprovação da doença emparentes do 1º grau; morte súbita em parentes em 1º grau antes dos 35 anos devido a provável presença dessa cardiomiopatia ou, ainda, diagnóstico comprovado em parente de 2º grau. Quanto às características tissulares, temos como critério maior a presença de menos de 60% de miócitos em análise morfométrica ou < 50% por estimativa com reposição por tecido fibroso da parede livre do ventrículo direito em pelo menos duas amostras endocárdicas associada ou não à substituição gordurosa. No critério menor estão presentes as mesmas alterações acima e taxa de miócitos residual entre 60% e 75% na morfometria e entre 50% e 65% por estimativa. 5 No caso atual, infelizmente, não tivemos acesso ao traçado original do ECG e, assim, não pudemos usá-lo como método diagnóstico. Contudo, no estudo eletrofisiológico, desencadeou-se taquicardia ventricular com morfologia de bloqueio de ramo esquerdo com eixo para cima, um critério maior para o diagnóstico dessa doença. O ecocardiograma não revelou detalhes que confirmassem o diagnóstico, mas evidenciou ventrículo direito dilatado e hipocinético. A ressonância magnética não foi realizada pela presença do desfibrilador, implantado logo no início do quadro clínico, pois se atribuiu a causa da síncope à arritmia, que, como a disfunção de ventrículo esquerdo, seriam sequelas de episódio pregresso de miocardite. Embora a ressonância tenha sido considerada o padrão‑ouro no diagnóstico não invasivo dessa doença, a taxa de falsos positivos tem sido muito alta. 6 Em tempo, a terapêutica de eleição dos portadores de cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito é o implante de desfibrilador, pois o uso de antiarrítmicos ou a ablação em estudo eletrofisiológico não se revelaram alternativas confiáveis para redução da morte súbita. 7 (Dr. Desiderio Favarato) 197

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