ABC | Volume 110, Nº2, Fevereiro 2018

Correlação Anatomoclínica Favarato e Benvenuti Cardiopatia com arritmia e síncope Arq Bras Cardiol. 2018; 110(2):195-200 bloqueio no istmo. Na realização do mapeamento elétrico do ventrículo direito, foram observadas regiões de cicatrizes e potenciais tardios de baixa voltagem em paredes posterior e lateral basais e foram aplicados pulsos de radiofrequência que os eliminaram. Durante o mapeamento epicárdico do ventrículo esquerdo, observou-se também região de cicatriz não densa na porção basal da parede póstero-lateral e presença de potenciais tardios. Não houve aplicação de pulsos de radiofrequência nesses locais. Durante o estudo, observou-se taquicardia ventricular sustentada de origem epicárdica, mal tolerada, revertida por cardioversão elétrica. O procedimento foi considerado bem-sucedido. Em março de 2014, o paciente deu entrada na emergência comquadro de três episódios de disparos de cardiodesfibrilador implantável pela manhã enquanto caminhava pela praia, sendo o primeiro precedido por palpitações taquicárdicas. Apresentou bradicardia de 40 bpm enquanto recebia amiodarona endovenosa. Permaneceu assintomático na internação (de 3 a 14 março 2014). Recebeu alta com prescrição de 50 mg de losartana, 200 mg de amiodarona, 25 mg de espironolactona e 75 mg de succinato de metoprolol, além de programação do cardiodesfibrilador implantável para marca-passo em frequência de espera mínima de 40 bpm. O cateterismo (29 set 2015) revelou: pressão média de átrio direito, 14 mmHg; pressões de ventrículo direito (sistólica/ diastólica inicial/diastólica final), 28/06/14 mmHg; pressões de artéria pulmonar (sistólica/diastólica/média), 28/18/21 mmHg; pressão de oclusão pulmonar, 18 mmHg; pressões de aorta (sistólica/diastólica/média), 93/60/71 mmHg; débito cardíaco, 3,78 ml/min; resistência vascular pulmonar, 0,79 woods; saturação arterial de O 2 , 99,1% e venosa de O 2 , 70,4%. Foi realizado novo estudo eletrofisiológico (29 set 2015). No início do procedimento, o paciente estava em ritmo sinusal, com períodos de bloqueio atrioventricular 2:1 e bloqueio atrioventricular total durante o procedimento, sendo o ressincronizador (cardiodesfibrilador CRT) programado em VVI 40. Realizado mapeamento eletrofisiológico e mapa de voltagem de ventrículo direito (endocárdico), com evidência de cicatriz em região lateral da via de saída do ventrículo direito, estendendo-se até a região do anel tricuspídeo. Os extra-estímulos induziram taquicardia ventricular tipo I (TV1) com complexos positivos em derivações I, aVL, com eixo superior e negativo em V 1 , sem transição. No mapeamento de ativação durante a taquicardia, evidenciou‑se potencial mesodiastólico em área de cicatriz na região lateral da via de saída do ventrículo direito. Após a aplicação de radiofrequência nesse local houve interrupção da TV1. Também foi realizada homogeneização da cicatriz com extensão da lesão até anel tricuspídeo. Novos testes com extra-estímulos não induziram arritmias. Não mais houve intercorrências por arritmia e o paciente continuou oligossintomático para dispneia. Em consulta médica (janeiro de 2016), revelou piora dos sintomas com dispneia ao tomar banho ou caminhar menos de duas quadras. Apesar do apetitemantido, estava perdendo peso. Estava em uso de amiodarona 400 mg, espironolactona 25 mg, succinato de metoprolol 50 mg, losartana 50 mg, levotiroxina 75 mcg, magnésio 400 mg e furosemida 20 mg diários. O exame físico revelou pressão arterial de 100/80 mmHg, frequência cardíaca de 60 bpm, sem sinais de hipervolemia ou congestão pulmonar, com perfusão regular. Aumentou-se o losartana para 75 mg diários. Na evolução, o paciente continuou muito limitado para suas atividades diárias e foi colocado em fila de transplante cardíaco, que foi realizado em 12 de abril de 2016. Aspectos clínicos O paciente apresentou síncopes desde a idade de 20 anos, insuficiência cardíaca desde a idade de 30 anos e foi transplantado aos 36 anos. Desde o início dos sintomas, foi detectada cardiopatia com dilatação acentuada e disfunção moderada de ventrículo esquerdo. O teste de esforço revelou arritmia ventricular frequente. As síncopes foramatribuídas às arritmias ventriculares malignas e foi implantado desfibrilador. Evoluiu estável e sem síncopes por 11 anos, quando foi detectada queda acentuada da fração de ejeção ventricular. Aos34anosdeidade,houvechoqueadequadododesfibrilador emepisódio de taquicardia ventricular e o paciente foi submetido a estudo eletrofisiológico, que desencadeou fibrilação atrial e foi realizado bloqueio istmo-caval. Durante omesmo estudo, foram observadas regiões compatíveis comcicatrizes e potenciais tardios de baixa voltagem nas paredes basal posterior e basal lateral do ventrículo direito, que sofreram ablação com desaparecimento de tais potenciais. Contudo, durante o procedimento, o paciente apresentou taquicardia de origemepicárdica, mal tolerada, sendo submetido a cardioversão. Um ano depois, o paciente voltou a apresentar taquicardia e cardioversão adequada pelo desfibrilador, sendo novamente submetido a estudo eletrofisiológico, que demonstrou cicatriz na via de saída do ventrículo direito, que se estendia até o anel tricuspídeo. Os extra-estímulos desencadearam TV1 de origem no ventrículo direito e após ablação com aplicação de radiofrequência, não sendo mais desencadeada. Após alguns meses, o paciente foi internado por insuficiência cardíaca classe funcional III da NYHA e foi colocado em fila de transplante cardíaco. Assim, estamos frente a um caso de cardiopatia que se apresentou como síncopes por arritmias ventriculares e pouca disfunção ventricular esquerda, apesar da dilatação desse último. Entre as cardiopatias que evoluem principalmente com arritmias ventriculares, temos a cardiopatia da doença de Chagas, a sarcoidose, a cardiomiopatia hipertrófica e a cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito. Quanto à doença de Chagas, sabe-se que frequentemente causa arritmias, insuficiência cardíaca e morte súbita, mas o paciente não apresentava ECG e ecocardiograma típicos dessa doença. Não havia no ECG bloqueio de ramo direito, nem bloqueio da divisão ântero-superior do ramo esquerdo, e o ecocardiograma não revelou hipocinesia difusa acentuada ou aneurisma de ponta. Além disso, aparentemente, não havia epidemiologia positiva para tal doença, nem a predominância de sinais de insuficiência cardíaca direita. 1,2 196

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