ABC | Volume 110, Nº1, Janeiro 2018

Artigo de Revisão Oliveira et al Associação de cardiopatias congênitas e alterações oftalmológicas Arq Bras Cardiol. 2018; 110(1):84-90 Introdução As cardiopatias congênitas (CCs) englobam qualquer anormalidade estrutural grave do coração ou dos grandes vasos intratorácicos presente ao nascimento. Elas são consideradas o tipo mais comum de malformação congênita, contribuindo significativamente para a mortalidade infantil e morbidade, tendo em todo o mundo, valores de incidência que variam de 4 a 50 casos por 1.000 nascimentos. As CCs têm uma etiologia ainda pouco conhecida, em torno de 15 a 20% têm sua causa definida. 1 Entre as causas conhecidas de CC, destacam-se as anormalidades cromossômicas, representando 3 a 18% dos casos. 2 Malformações extracardíacas são comuns entre os pacientes com CC; defeitos de órgãos intra-abdominais e/ou associados a síndromes genéticas são observados em 7 a 50% dos pacientes, 3 o que aumenta ainda o risco de morbidade, mortalidade, bem como da cirurgia cardíaca. Além disso, essas alterações podem necessitar de tratamento, incluindo cirúrgico, independente do problema cardíaco. Dentre estas alterações extracardíacas, destacam-se as oftalmológicas. O número de síndromes genéticas descritas que apresentam alguma forma de cardiopatia emanifestações oculares associadas é grande. 4-38 Contudo, estas síndromes ainda não foram reunidas e sintetizadas para melhor consulta e comparação. A sistemática desse conhecimento pode trazer importantes implicações clínicas, auxiliando na investigação e detecção de anormalidades. Seu diagnóstico bemcomo a identificação de todas as condições associadas é fundamental, tanto para o cardiologista pediátrico que atende o paciente comCC e deve suspeitar de anormalidade oftalmológica, quanto para o oftalmologista que, diante da avaliação de seu paciente, pode suspeitar de lesão cardiológica. O objetivo deste trabalho é sistematizar a literatura, avaliando evidências disponíveis sobre síndromes que cursam com CC associada a alterações oculares, salientando os tipos de alterações anatômicas e funcionais descritas. Métodos Os pesquisadores fizeram uma busca sistemática utilizando as bases eletrônicas Medline (PubMed, Embase, Cochrane, Lilacs). A estratégia de busca está contida no anexo 1 (acesse o link: http://publicacoes.cardiol.br/portal/2017/abc/v11001/ pdf/11001014_anexo.pdf) . Os critérios de elegibilidade incluíram somente artigos publicados em inglês até o mês de janeiro de 2016, sob a forma de relatos de caso ou revisão, que abordassem a associação de alterações oftalmológicas e cardiológicas em pacientes menores de 18 anos e que apresentassem alguma síndrome genética. A seleção dos estudos e extração de dados foi realizada por dois pesquisadores independentes, que fizeram uma análise padronizada dos títulos e resumos, bem como a extração das características metodológicas, do número de pacientes e dos resultados de todas as publicações identificadas na estratégia de pesquisa. Artigos que descreviam alterações em pacientes maiores de 18 anos e que não apresentavam uma síndrome genética comalterações cardiológicas e oftalmológicas associadas não foram considerados. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Universitária de Cardiologia do Rio Grande do Sul (Número do processo 101593/2013-9). Resultados Ao total, foram identificados 1685 estudos, dos quais 83 artigos relacionados a síndromes genéticas associadas à CC e alterações oftalmológicas foram incluídos. Desses, a maioria foi composta por relatos de caso (Figura 1). Nas Tabelas 1 e 2, podemos observar as alterações cardiológicas que apareceram em cada síndrome e também os achados oftalmológicos organizados de acordo com o segmento ocular; na Tabela 1, reunimos as síndromes genéticas mais prevalentes, e na Tabela 2 as condições genéticas mais raras. Os dados não foram agrupados pela frequência com que foram encontrados mas, apenas, pelo aparecimento em qualquer um dos textos. As síndromes genéticas que apresentam associação de CC com alteração ocular, mais relatadas em artigos foram Síndrome de Down, Síndrome Velo-cardio-facial / DiGeorge, Síndrome de Charge e Síndrome de Noonan. Das mal-formações cardíacas, a comunicação inter-atrial (CIA, 77.4%), a comunicação inter-ventricular (CIV, 51.6%), a persistência do canal arterial (PCA, 35.4%), estenose da artéria pulmonar (EP, 25.8%) e a tetralogia de Fallot (TOF, 22.5%) foram as mais encontradas nas diferentes etiologias. O maior número de possíveis repercussões cardíacas relatadas foram observados na Charge (8), cat eye (5), velocardio (4), síndrome de Down (4), com uma média geral de 2.9 achados cardiológicos/síndrome. Com relação aos achados oculares concomitantes, nas cardiopatias mais prevalentes, a média foi 4.6, sendo as síndromes Velocardio, Turner, cat eye, Charge e Goldenhar as mais representativas. Naquelas mais incomuns (Tabela 2), a média deste mesmo dado foi de 3.5, em especial nas síndromes de Peters, Phace, Bloch e Leber. As repercussões oculares externas constituem a topografia com a maior quantidade de possibilidades, média de 2.4 achados/síndrome nas formas mais comuns (Tabela 1), ênfase na Down, Charge, cat Eye, Velocardio. Esta mesma topografia tem uma média de 1.38 nas formas mais incomuns, destacando as síndromes de Duane, Mowat-Wilson, Peters e Phace (Tabela 2). Presença de ametropias foi referida na síndrome de Down, Turner, cat eye, velo-cardio e Noonan, descritas também em outras 8 situações mais raras (Tabela 2). Anormalidades no segmento anterior do globo ocular foram mais frequentes nas síndromes velocardio, de Down, de Peters e de Phace, e manifestações no segmento posterior nas síndromes de Turner, Alagille, Leber, Peters e Phace. Alterações oculares associadas foram mais frequentes nas síndromes Velocardio, Turner, Cat Eye, Charge, Goldenhar, Bloch, Hutchinson, Peters, Phace. Os achados oculares associados a estas formas sindrômicas com maior número de descrições foram: estrabismo (43,4%), catarata (28,0%), anomalias de forma e posição palpebral (28%), nistagmo (21,7%), ametropias (19,5%), glaucoma (19,5%) e hipertelorismo (19,5%). Discussão Devido à sua variedade clínica, as malformações cardíacas congênitas revelam defeitos que evoluem de maneira assintomática até aqueles que provocam grande 85

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