ABC | Volume 110, Nº1, Janeiro 2018

Artigo Original Soeiro et al Troponina vs. lesão coronariana Arq Bras Cardiol. 2018; 110(1):68-73 Introdução Nos últimos anos, a cardiologia tem presenciado o desenvolvimento constante de inúmeros biomarcadores. Dentre eles, destacam-se as troponinas contemporâneas sensíveis e as troponinas ultrassensíveis (tropo-US), atualmente em grande expansão no Brasil e na Europa. 1 No entanto, apesar do enorme ganho em sensibilidade, permitindo detectar precocemente e com mínimo limiar a presença de lesão miocárdica em pacientes com dor torácica na unidade de emergência, houve uma redução da especificidade, fazendo com que diversos pacientes com problemas não cardiológicos ou não coronarianos sejam submetidos à terapia antitrombótica e, por vezes, estratificação coronária invasiva, de forma desnecessária e até mesmo prejudicial. 2-5 O valor adequado de troponina a ser considerado para correta interpretação do quadro clínico depende das características do doente e do kit de troponina utilizado, devendo idealmente ser individualizado para cada serviço. 2-4,6 Dessa forma, desenvolvemos este estudo com o objetivo de avaliar os valores de troponina I sensível contemporânea em pacientes com dor torácica, relacionando-os à presença de lesões coronarianas significativas, na presença ou não de insuficiência renal crônica na amostra selecionada. Métodos População do estudo Trata-se de estudo retrospectivo, unicêntrico e observacional. Incluíram-se 991 pacientes com dor torácica admitidos entre maio de 2013 e maio de 2015 no setor de emergência em um centro terciário de cardiologia de alta complexidade. Foram incluídos todos os pacientes com dor torácica submetidos à cineangiocoronariografia (suspeita de angina instável ou infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento de ST). Presença de supradesnivelamento do segmento ST foi o único critério de exclusão utilizado. Lesão coronária significativa foi considerada quando ≥ 70% na cineangiocoronariografia. Insuficiência renal crônica foi estabelecida quando creatinina > 1,5 mg/dl. Os pacientes foram divididos em dois grupos: com (N = 681) ou sem lesão coronariana significativa (N = 310). Para análise posterior de curva Receiver Operating Characteristic (ROC), os pacientes foram separados em outros dois grupos: com insuficiência renal (N = 184) ou sem insuficiência renal crônica (N = 807). A troponina sensível contemporânea utilizada pertence ao kit comercial ADVIA Centaur ® TnI-Ultra ( Siemens Healthcare Diagnostics, Tarrytown, NY, EUA ) com valor de percentil 99 de 0,04 ng/ml. O fluxograma de atendimento de todos os pacientes com dor torácica preencheu os critérios estabelecidos pela última diretriz da American Heart Association. 7-9 Síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento de ST foi definida como presença de dor torácica associada às alterações eletrocardiográficas ou elevação/queda de troponina na internação ou, na ausência desses, quadro clínico e fatores de risco compatíveis com angina instável (dor torácica ao repouso ou aos mínimos esforços, severa ou ocorrendo em padrão em crescendo). O valor de troponina considerado foi o mais elevado durante a internação, antes da realização da cineangiocoronariografia, seguindo o protocolo de coleta de 6 em 6 horas do marcador da instituição. Os seguintes dados foram obtidos: idade, sexo, presença de diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, dislipidemia, história familiar para doença coronária precoce, doença arterial coronária crônica, infarto agudo do miocárdio prévio, creatinina, infradesnivelamento do segmento ST ou inversão de onda T ao eletrocardiograma. O trabalho foi submetido ao comitê de ética e pesquisa e aprovado por ele. O termo de consentimento livre e esclarecido foi preenchido por todos os pacientes incluídos no estudo. Análise estatística A análise foi feita por curva ROC para identificar a sensibilidade e a especificidade do melhor ponto de corte da troponina como discriminador de probabilidade de lesão coronariana significativa. Foi utilizado intervalo de confiança (IC) de 95%. Tal análise foi realizada para a população geral e separadamente para pacientes com ou sem insuficiência renal crônica. Análise descritiva das variáveis categóricas foi realizada através de porcentagens. As variáveis contínuas de distribuição não normal foram descritas através de medianas e intervalos interquartis, ao passo que as de distribuição normal, através de médias e desvios-padrão. A comparação entre grupos foi realizada através de qui-quadrado para as variáveis categóricas. Para as variáveis contínuas, quando o teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov mostrava distribuição normal, as variáveis eram calculadas utilizando teste T não-pareado. Caso a distribuição não seguisse o padrão de normalidade, utilizamos o teste Mann-Whitney U. Foram incluídas na análise univariada ambos os cortes de troponina analisados (percentil 99 do método e melhor ponto de corte encontrado no estudo). A comparação foi realizada entre pacientes com versus sem lesão coronariana significativa. A análise multivariada foi realizada por regressão logística, sendo considerado significativo p < 0,05. Foram consideradas como variáveis na análise todas as características basais apresentadas na Tabela 1 que apresentaram significância estatística na análise univariada pregressa. A avaliação multivariada foi efetuada separadamente para ambos os cortes de troponina analisados (percentil 99 do método e melhor ponto de corte encontrado no estudo). Todos os cálculos foram realizados utilizando o programa SPSS v. 10.0. Resultados A mediana de idade foi de 63 anos e cerca de 52% eram do sexo masculino. A área sob a curva ROC entre os valores de troponina e lesões coronarianas significativas foi de 0,685 (IC 95%: 0,65 - 0,72). Em pacientes sem e com insuficiência renal, as áreas sob a curva foram, respectivamente, de 0,703 69

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