ABC | Volume 110, Nº1, Janeiro 2018

Artigo Original Stephan et al Saúde móvel e fibrilação atrial Arq Bras Cardiol. 2018; 110(1):7-15 Introdução A Fibrilação Atrial (FA) afeta 33,5 milhões de pessoas mundialmente 1 e é causa de 28% de todos os Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC). 2 A profilaxia com anticoagulantes orais (ACO) é capaz de reduzir o risco de AVC em 60-70%, 3-6 no entanto com risco de sangramento variável. As diretrizes de FA recomendam a aplicação dos escores de risco CHA 2 DS 2 -VASc (para AVC) e HAS-BLED (para sangramento), no intuito de reconhecer os pacientes que mais se beneficiarão dos anticoagulantes. 7-10 Mais recentemente, o escore de SAMe-TT 2 R 2 11 foi validado para predizer um mau controle da anticoagulação com cumarínicos, auxiliando na escolha do tipo de anticoagulante. Diversos outros escores também estão disponíveis, 12 no entanto, seu uso deve ser criterioso. A atual diretriz europeia, 8 por exemplo, indica o uso dos escores de sangramento para identificar fatores de risco modificáveis para sangramento maior e não para contraindicar a anticoagulação. Além disso, os escores não levam em consideração as preocupações, objetivos e valores dos pacientes, assim como não avaliam custos, posologia e periodicidade de consultas e exames, fatores que impactam na aderência medicamentosa. 13 A complexidade desse processo decisório reflete-se no número subótimo de pacientes que recebem prescrição de ACO, que mantêm sua anticoagulação no alvo e que aderem à medicação. 13-15 Novas abordagens para o manejo de doenças crônicas têm frisado a centralização no paciente, ao qual são fornecidas ferramentas para uma decisão compartilhada sobre seus tratamentos, melhorando desfechos e a efetividade dos sistemas de saúde. 16,17 Os pacientes com FA parecem ser especialmente propensos a se beneficiar dessas estratégias, dada a importância da apropriação do paciente de decisões que exigem ação própria, como tomar a medicação e monitorar o tratamento. 18 A tecnologia de saúde móvel - referida mais comumente pelo seu termo em inglês, mobile health ( mHealth ) - parece promissora em expandir a cobertura dos cuidados de saúde, facilitar a tomada de decisões e melhorar o manejo de doenças crônicas. 17-20 Em 2015, mais de 3 bilhões de downloads de aplicativos ( apps ) de saúde foram feitos ao redor do mundo. 21 É importante que essa nova tecnologia inclua também grupos específicos como idosos e adultos de baixa renda com acesso limitado à comunicação móvel. 18,22 Neste artigo, descrevemos o desenvolvimento de um aplicativo em mHealth para ser usado durante a consulta médica, com o objetivo de facilitar a decisão compartilhada sobre a profilaxia tromboembólica na FA. O aplicativo foi testado em pacientes de baixa renda e baixa escolaridade medindo-se o conhecimento sobre a doença antes e após seu uso. Métodos Desenvolvimento do aplicativo A equipe de desenvolvimento foi composta por uma cardiologista, um eletrofisiologista, um desenvolvedor de software e uma designer. Inicialmente, foram definidos os seguintes aspectos fundamentais: condição/problema a ser abordado (profilaxia tromboembólica na FA); usuário/população-alvo (pacientes com FA e baixo nível sócio-econômico-cultural); metas iniciais do aplicativo (aumento de conhecimento sobre a doença e o tratamento); situação na qual o aplicativo seria utilizado (durante a consulta médica); dispositivo para a versão inicial ( tablet do médico) e linguagens de programação (Android e iOS). Foi então realizada ampla revisão literária, incluindo os principais ensaios clínicos randomizados, revisões sistemáticas, metanálises e diretrizes sobre FA e ACO, de onde foram identificados os principais escores a serem utilizados e as informações mais relevantes a serem transmitidas ao usuário. Como intuito de traduzir essa informação emconhecimento para o paciente, foi desenvolvida uma navegação simplificada em cinco telas (Figura 1): (1) Conhecendo a doença – um vídeo sobre como ocorre a FA e como ela pode causar um evento tromboembólico; (2) Individualizando os riscos – uma calculadora integrada com os escores de CHA 2 DS 2 ‑VASc, HAS-BLED e SAMe-TT 2 R 2 ; 11 (3) Entendendo riscos e benefícios – uma tela com pictogramas para visualização das porcentagens de risco de AVC e sangramento com cada opção de tratamento; (4) Conhecendo as opções de tratamento – um resumo das principais características dos fármacos disponíveis; e (5) Fazendo uma escolha – a tela final, em que as informações são salvas e o número de celular do paciente pode ser cadastrado para continuar recebendo informações, via Short Message Service (SMS). Esse formato de navegação priorizou os pontos principais, proporcionando acesso adicional a informações mais detalhadas pelos links, conforme necessidade dos usuários. Por exemplo, na área das medicações, são informados posologia, custo aproximado, vantagens e desvantagens de cada fármaco e pode-se acessar por um link a bula oficial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Tambémo uso da tecnologia de push , por meio de SMS, é uma estratégia para aumentar o fornecimento de informações sem sobrecarregar o paciente em apenas um encontro. Periodicamente, são enviados lembretes sobre a importância de aderir à medicação, realizar exames, além de conteúdo sobre a doença, que pode ser salvo e consultado na caixa de mensagens. Optou-se por um design limpo e claro, com um código de cores para os riscos e utilizando informação gráfica sempre que possível para complementar a informação escrita. A terminologia foi adaptada para se adequar aos usuários-alvo. As informações pessoais de saúde foramprotegidas comuma identificação única e criptografadas. Uma política de privacidade foi apresentada ao usuário antes do uso. Delineamento Estudo de intervenção em pacientes identificados com FA no ambulatório de anticoagulação do Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, nos meses de abril e maio de 2016. Caracterização da população e amostra A população estudada compreendeu pacientes em acompanhamento no ambulatório de anticoagulação, durante a espera para a coleta do tempo de protrombina (TP). Antes de iniciar o acompanhamento nesse ambulatório, os pacientes recebem as orientações referentes a sua doença e ao uso de ACO em consulta com seu médico assistente 8

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