ABC | Volume 110, Nº1, Janeiro 2018

Relato de Caso Avila et al Doença de Kawasaki e Gravidez Arq Bras Cardiol. 2018; 110(1):97-100 internacional do tempo de protrombina (RNI) = 2, quando foi suspensa a enoxaparina e a paciente teve alta hospitalar. Em consulta clínica 60 dias depois, estava assintomática, amamentando e em uso diário de varfarina (RNI = 2) e AAS (100 mg/dia). Discussão As estratégias de prevenção de complicações em paciente com AAC gigantes por DK e infarto agudo prévio resultaram em sucesso materno-fetal no presente caso. A primeira visita médica na 9ª semana de gestação permitiu planejar a terapêutica preventiva. O acompanhamento ambulatorial, internação e parto em hospital cardiológico com retaguarda intervencionista foram escolhidos pela eventual instabilidade do materna. No entanto, em casos assintomáticos, essa decisão não é rotina na literatura. 3 A influência do estado hipercinético e de hipercoagulabilidade inerente à gestação sobre as complicações (trombose, infarto do miocádioemorte súbita) esperadas nessapaciente foi considerada. O potencial risco de rotura e/ou dissecção arterial é favorecido pelas supostas mudanças arteriais, que incluem: fragmentação das fibras reticulares, redução dos mucopolissacarídeos e perda da ondulação normal das fibras elásticas. 4 O estudo de Wei et al., 5 que incluiu 38 casos de DK com AAC, mostrou a ocorrência de trombose em17 deles e levantou a hipótese da associação com anticoagulação não efetiva. Em metanálise que incluiu 159 crianças com AAC gigantes, Su et al. 6 documentaram que oclusão coronária, IAM e morte foram significativamente menores com a associação varfarina/ aspirina, quando comparada ao uso de aspirina isolada. Nesta linha de raciocínio, a progressiva ativação dos fatores de coagulação na segunda metade da gestação e ativação extrema no parto levou os autores a recomendarem anticoagulação com ajuste de dose associada ao AAS. A enoxaparina foi utilizada no lugar da varfarina devido aos riscos hemorrágicos e de toxicidade fetal, em doses profiláticas até a 34ª semana e, posteriormente, em doses terapêuticas até 12h antes do parto. A droga foi reiniciada no puerpério até a reintrodução da varfarina, mantendo-se o RNI em faixa adequada. O antecedente de infarto do miocárdio aumentou risco da gestação, embora a função ventricular preservada tenha sido um fator favorável à evolução. A demanda metabólica do miocárdio (devido a débito cardíaco e consumo de oxigênio aumentados, inerentes à gestação) justificou a queixa frequente de angina e dispneia, os quais foram controlados pelo uso de propranolol. Na dose de 60 mg/dia, não provocou comprometimento do crescimento fetal até a 32ª semana de gestação. A hipotensão arterial registrada, resultado da queda da resistência vascular periférica, restringiu o uso de nitratos pelo suposto comprometimento do fluxo útero-placentário. No terceiro trimestre da gestação as contrações uterinas de grande amplitude (Braxton Hicks) são progressivamente mais frequentes e podem ser confundidas com trabalho de parto prematuro, responsabilizando-se por 75% dos nascimentos antes da 37ª semana. 7 Essas contrações, que provocam flutuações no retorno venoso e na frequência cardíaca, podem provocar instabilidade materna em pacientes com reserva cardíaca limitada. Esse quadro foi motivo da internação hospitalar da paciente no curso da 32ª semana de gestação. Decisão conjunta com o obstetra permitiu cautela em não antecipar o parto, ajustar a medicação para controle dos sintomas clínico-obstétricos e alcançar a maturidade fetal. No que diz respeito à escolha do tipo de parto, estudo com 13 mulheres portadoras de DK 8 e lesão coronária, mostrou que partos por via vaginal com auxílio de analgesia e anestesia peridural foram realizados em nove pacientes e, em três casos sintomáticos, optou-se pela cesárea. Esses dados corroboram a decisão adotada no presente caso. Ainda, laqueadura tubárea foi selecionada como método de anticoncepção mais seguro face à contraindicação de nova gravidez. Conclusão Este relato acrescentou à literatura um caso de gravidez com sucesso materno-fetal a termo de paciente sintomática com múltiplos AAC decorrentes de DK e antecedente de infarto do miocárdio. Ilustrou a importância da atuação multidisciplinar para levar a termo a gravidez com alto risco de complicações trombóticas. Contudo, o planejamento familiar, que inclui aconselhamento genético e considerações sobre futura gravidez, ainda é essencial. O risco de complicações não pode ser eliminado independentemente da estratégia terapêutica adotada. Contribuição dos autores Concepção e desenho da pesquisa: Avila WS; Obtenção de dados: Avila WS, Freire AFD, Soares AAS, Pereira ANRE; Análise e interpretação dos dados e Redação do manuscrito: Avila WS, Freire AFD, Soares AAS; Revisão crítica do manuscrito quanto ao conteúdo intelectual importante: Avila WS, Nicolau JC. Potencial conflito de interesses Declaro não haver conflito de interesses pertinentes. Fontes de financiamento Opresente estudo não teve fontes de financiamento externas. Vinculação acadêmica Não há vinculação deste estudo a programas de pós‑graduação. 99

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