ABC | Volume 110, Nº1, Janeiro 2018

Relato de Caso Gravidez em Portadora de Doença de Kawasaki com Múltiplos Aneurismas de Artérias Coronárias Pregnancy in Woman with Kawasaki Disease and Multiple Coronary Artery Aneurysms Walkiria Samuel Avila, Antônio Fernando Diniz Freire, Alexandre Anderson de Sousa Soares, Ana Neri Rodrigues Epitácio Pereira, José Carlos Nicolau Instituto do Coração (InCor) - Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), São Paulo, SP – Brasil Correspondência: Walkiria Samuel Avila • Rua Dr. Enéas Carvalho Aguiar, 44, Cerqueira César. CEP 05403-000, São Paulo, SP - Brasil E-mail: wsavila@cardiol.br , walkiria@incor.usp.br Artigo recebido em 05/08/2017, revisado em 21/03/2017, aceito em 29/03/2017 Palavras-chave Gravidez; Síndrome de Linfonodos Mucocutâneos; Aneurisma Coronário. DOI: 10.5935/abc.20170185 Introdução A doença de Kawasaki (DK), descrita em 1967, é uma vasculite sistêmica de etiologia desconhecida. 1 Constitui emuma importante causa de afecção cardíaca adquirida emcrianças com idade inferior a cinco anos. 2 ADK é umdistúrbio autoimune com quadro clínico composto por febre alta, exantema, conjuntivite, linfoadenopatia cervical e edema periférico. Os exames laboratoriais são compatíveis com quadro inflamatório agudo. A característica clínica mais importante da DK é o acometimento prevalente das artérias coronárias, que pode variar desde dilatação e estenose à formação de aneurismas (incidência de 5% nos pacientes adequadamente tratados e de 25% nos não tratados). Esses aneurismas de artérias coronárias (AAC), quando gigantes (definidos pelo diâmetro > 8 mm), estão associados a elevado risco de trombose, infarto agudo do miocárdio (IAM), rotura e morte súbita. 2 A falta de diagnóstico e tratamento na fase aguda da doença na infância contribui para o aumento da frequência de mulheres grávidas com sequelas vasculares da DK. 3 O manejo dessas pacientes não está estabelecido, principalmente nos casos sintomáticos. Os relatos existentes são de resolução da gravidez antes do termo. Não há relatos na literatura brasileira sobre o tema, sendo mais encontrados na americana e japonesa. O objetivo desse trabalho é descrever o manejo de gravidez bem sucedida desde primeiro trimestre de gravidez até o termo em paciente com AAC gigante, sequela de DK com complicação trombótica. Relato de Caso Paciente de 32 anos de idade foi admitida no pronto socorro na 9ª semana da primeira gestação, queixando-se de dispneia e dor precordial discreta aos grandes esforços, de curta duração e bem tolerada. Apresentava história prévia de IAM com supra desnível do ST em parede inferior aos 30 anos de idade, com aneurismas gigantes e trombos nas artérias coronárias evidenciados na cinecoronariografia (Figura 1C e 1D). Realizou angiotomografia de coronárias que confirmou os achados prévios, evidenciando coronárias ectásicas com múltiplas dilatações aneurismáticas e trombo mural (Figura 2). Na ocasião, foi feito o diagnóstico de DK, e a paciente recebeu alta para acompanhamento ambulatorial com uso de sinvastatina, clopidogrel, atenolol e ácido acetil salicílico (AAS). No exame físico de admissão, paciente se encontrava eupneica, com pressão arterial 110/60 mmHg, frequência cardíaca de 80 batimentos/min, bulhas cardíacas rítmicas, normofonéticas e sem sopros, ausculta pulmonar normal, abdômen livre, pulsos normais à palpação. Nos exames complementares, eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal com alteração difusa da repolarização ventricular, e seu ecocardiograma transtorácico é apresentado na Figura 1A e 1B. Apesar das recomendações recebidas no acompanhamento ambulatorial para não engravidar, após o diagnóstico de gravidez, a paciente passou a ser acompanhada mais de perto na instituição. Foram prescritos AAS 100 mg/dia, propranolol 60 mg/dia e enoxaparina 40 mg/dia e o exame obstétrico periódico mostrou sempre vitalidade fetal preservada. Após 29 semanas, a paciente apresentou houve progressiva piora para classe funcional III da New York Heart Association (NYHA), acompanhada de queixas de palpitação e de dor precordial diária e atípica, o que motivou seu afastamento do trabalho com orientação para repouso domiciliar. No curso da 34ª semana apresentou dor torácica difusa, dispneia e contrações uterinas. Optou-se então por hospitalização para repouso e ajuste da medicação. O exame obstétrico realizado na ocasião constatou contrações uterinas fracas e irregulares, altura uterina 33 cm, colo impérvio, feto único em situação longitudinal, apresentação cefálica, batimentos cardíacos regulares com 128 batimentos por minuto. A avaliação fetal foi realizada com perfil biofísico fetal e dopplervelocimetria de artérias umbilicais normais. O peso fetal estimado estava adequado (percentil 60 da curva de Hadloch). Houve melhora importante dos quadros clínico e obstétrico como resultado do ajuste das doses de propranolol (80mg/dia via oral) e de enoxaparina (60 mg/2xdia subcutânea) e acréscimo de nitrato sublingual (se necessário) e progesterona natural micronizada (200 mg/2xdia em cápsula via vaginal). Os padrões eletrocardiográficos e ecocardiográficos não se modificaram durante a internação. Na 37ª semana de gestação, foi indicada cesárea e laqueadura tubárea. Oparto foi realizado pela equipe obstétrica do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo HCFMUSP no Instituto do Coração (InCor) sem complicações, com o recém-nascido pesando 2860 g, saudável 97

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