ABC | Volume 110, Nº1, Janeiro 2018

Ponto de Vista Rêgo et al Insuficiência Cardíaca, Cérebro e Atividade Física Arq Bras Cardiol. 2018; 110(1):91-94 estar relacionada à vasoconstrição. 8 Como consequência desse balanço autonômico com sobreposição simpática, há dificuldade para a chegada de sangue em diversos sistemas do corpo, incluindo o cérebro. A hipoperfusão cerebral em pacientes com IC pode levar à redução da capacidade funcional 9 e déficits cognitivos. 5 Mais especificamente, o comprometimento permanente da perfusão cerebral e isquemia crônica em áreas profundas podem resultar em dano cognitivo e dificuldade na execução de atividades rotineiras. O hipocampo, por exemplo, possui plasticidade neural frente à menor oferta de oxigênio e pode ter sua massa diminuída e, possivelmente, causar prejuízos de memória. 10 Tem sido demonstrado que pacientes CF I-III possuem baixo fluxo sanguíneo cerebral (FSC) na posição sentada e isso está relacionado com baixo débito cardíaco, podendo causar intensa hipoperfusão na realização de tarefas simples, como o ato de sair de uma posição deitada para uma sentada. 9 Logo, com menor oferta de oxigênio ao cérebro, os prejuízos cognitivos são praticamente inevitáveis. Além disso, já foi observado que o grau da disfunção cognitiva pode servir como preditor de complicações cardiovasculares em pacientes com IC. No estudo, 246 pacientes CF II – IV realizaram o Montreal Cognitive Assessment para avaliar a capacidade cognitiva e foi demonstrado que o pior desempenho no teste foi daqueles com maiores chances de eventos cardiovasculares em até 180 dias. 11 Desse modo, a cognição parece estar intimamente relacionada ao grau de oxigenação cerebral e, quanto mais hipoperfundido for o cérebro, maior será a disfunção do sistema nervoso, indicando maior prejuízo no débito cardíaco e menor capacidade emmodular a atividade autonômica, aumentando o risco de eventos cardio e cerebrovasculares. Dito isso, a literatura é clara quanto aos benefícios da atividade física aeróbia (AFA), em populações saudáveis, na modulação do SNA e nas funções cerebrais e cognitivas. Evidências mostram que a AFA realizada cronicamente, tem a capacidade de promover efeitos benéficos na saúde cardiovascular, mediados pelo aumento do tônus vagal e diminuição da atividade simpática no nodo sinusal, com melhora da função vascular, remodelamento cardíaco e funções renais-adrenais. 12 No entanto, a AFA regular também tem demonstrado papel importante na modulação de algumas regiões cerebrais de fundamental importância nos processos cognitivos, através do aumento do FSC, no CPF, 13 do aumento do volume no hipocampo, 10 do aumento das concentrações de fatores de crescimento endotelial vascular (VEGF) (crescimento de novos capilares) e de fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) (fortalecimento de conexões sinápticas), 14 bem como angiogênese em regiões do lobofrontal. 15 Logo, essas mudanças funcionais, bioquímicas e morfológicas do cérebro estão fortemente ligadas à melhora cognitiva. Seguindo essa linha de raciocínio, em um estudo com pacientes CF III e fração de ejeção ≤ 35%, foi realizada uma intervenção de 18 semanas (duas vezes por semana) de exercícios físicos que alternavam entre esteira, cicloergômetro e simulador de escada. Os resultados demonstraram que o exercício aprimorou as funções cognitivas de atenção seletiva e velocidade psicomotora. 16 Além disso, o desempenho do teste de caminhada de seis minutos e a pontuação no Mini Exame do EstadoMental tem sido diretamente correlacionados, indicando que quanto menor a capacidade cardiovascular funcional do sujeito, menor sua capacidade cognitiva. 17 Nesse ínterim, é válido mencionar que comumente os pacientes saem dos consultórios médicos tendo escutado que a prática de exercícios físicos é importante para combater o sedentarismo, melhorar a função do músculo cardíaco e, portanto, tornarem-se mais saudáveis e commelhor qualidade de vida. Entretanto, é preocupante a pouca ênfase dada aos benefícios cognitivos e a melhoria na função cerebral que a atividade física pode proporcionar aos portadores de IC. Nesse contexto, uma recente revisão aborda a prática da AFA como um fator benéfico por prevenir e até reverter os prejuízos cognitivos causados principalmente pela diminuição do FSC nessa população. Esse benefício seria consequência tanto da melhora na atividade contrátil muscular cardíaca, quanto da diminuição da resistência vascular periférica por uma diminuição da ativação simpática. 18 Ainda, já foram demonstrados os possíveis efeitos da AFA no SNA de pacientes com doenças cardíacas como no caso da IC, indicando a possível modulação simpatovagal com aumento do tônus parassimpático e diminuição da atividade simpática, a qual constitui um quadro extremamente importante e decisivo para essa população. 19 Contudo, pouco destaque foi dado a integração entre o FSC e o sistema nervoso autônomo, bem como na modulação do SNA em decorrência da realização do exercício em pacientes com IC. Além das possíveis vias de integração decorrentes dessa modulação do SNA e da sua influência na atividade do SNC de modo geral, implicando maiores benefícios para o indivíduo. As vias pelas quais regiões frontais, como o CPF, atuam na modulação do SNA são importantes para o entendimento da fisiopatologia da IC, bem como para entender como o AFA pode interferir nesses dois aspectos (cognição e controle autonômico cardíaco). Nesse sentido, foi proposto um modelo neurovisceral pelo qual o CPF tem função inibitória sobre a amígdala 20 (área integrativa que recebe aferências sensoriais, confere cunho emocional e emite eferências para áreas corticais). Entretanto, quando essa região está desinibida, situação que pode ocorrer devido ao menor FSC no CPF, permite a ativação de neurônios simpáticos e diminuição da ação de neurônios parassimpáticos, ambos no tronco cerebral, 20 desencadeando um balanço autonômico nervoso com predomínio simpático. Sabe-se que a AFA tem papel atuante, especialmente no CPF 13 e na modulação autonômica, 12 criando um sistema que se retroalimenta, no qual a AFA atua em várias esferas, culminando com a melhora cognitiva dos pacientes (Figura 1) e, consequentemente, melhorando o prognóstico. Com isso, pode-se notar que os danos causados nos aspectos cognitivos são, muitas vezes, reversíveis e, portanto, possíveis de melhorar as funções executivas 18 aumentando a qualidade de vida desses pacientes. Vale ressaltar, então, que a AFA é uma ferramenta útil como parte do tratamento desses pacientes, além de ser uma alternativa não farmacológica e de baixo custo. Apesar de a AFA ser de fácil realização em sujeitos saudáveis, não se pode afirmar o mesmo para os portadores de IC. Pacientes CF IV, por exemplo, não são aconselhados a realizar atividade física. Além disso, alguns procedimentos 92

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