História da Cardiologia

Homenagem a um Guerreiro da Educação Brasileira

Professor Décourt, pioneiro da cardiologia

Fundador do Incor com Zerbini, ele recebe hoje o Troféu Guerreiro da Educação

 

Luiz Venere Décourt sempre encarou como um dever formar-se médico e seguir carreira universitária. Nos anos 50, sentiu ter atingido o que idealizara para sua vida profissional: era professor catedrático de clínica médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

"Eu queria que os conhecimentos que eu adquirisse fossem aproveitados não apenas por mim, mas pelos outros", conta. Décourt fez muito mais.

Além de ensinar futuros médicos durante 30 anos, participou do primeiro transplante de coração do País e fundou o Instituto do Coração (Incor), ambos ao lado do colega e amigo Euryclides de Jesus Zerbini. Também realizou inúmeras pesquisas, publicou cinco livros e se tornou professor emérito da USP. Hoje, prestes a completar 89 anos, o cardiologista divide seu tempo entre os pacientes que atende toda manhã em seu consultório particular, a música clássica, romances e poesias.

Apesar da modéstia, insiste em creditar seus feitos às entidades e pessoas que fazem parte da sua vida, Décourt se considera merecedor da homenagem que recebe hoje: o Prêmio Professor Emérito 2000. O Troféu Guerreiro da Educação é oferecido a personalidades consideradas exemplos na área pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) e pelo jornal O Estado de S. Paulo. "É um prêmio recompensador, principalmente porque é ofertado por órgãos tão sérios em seus propósitos", diz. "Para mim, é como um Oscar da educação."

Didata - Nascido em Campinas, Décourt começou a lecionar nos anos 30, ensinando biologia a alunos do Colégio Rio Branco, em São Paulo. Mais tarde, no último ano de faculdade, passou a dar aulas particulares de clínica médica a colegas estudantes dos primeiros anos.

O atual diretor-geral do Incor, José Ramires, foi um dos 872 cardiologistas formados na USP pelo professor Décourt. "Ele é o maior didata que a medicina brasileira produziu", diz. Ramires lembra que a simplicidade e a cultura humanística e geral sempre foram características marcantes na personalidade de Décourt.

"Procurei ensinar aos meus alunos o exercício da medicina não apenas com competência, mas com respeito à pessoa humana", diz Décourt. Ele defende que os médicos façam da medicina não só o combate à doença, mas o amparo ao indivíduo que sofre. " O médico não é um receitador de remédios." O professor Décourt ensina que em um tratamento deve-se saber que cada paciente é diferente do outro e é importante prestar atenção aos seus problemas emocionais, sociais e familiares.

A psicóloga Fernanda Mazziotti Barreto confirma essa tese. Há cerca de dez anos, ela procurou Décourt porque sofria de constantes enjôos e já havia consultado vários médicos. "Depois de um ótimo exame clínico, ele perguntou: você está fazendo alguma obra na sua casa?", conta Fernanda. A paciente realmente estava reformando o banheiro e Décourt acabou descobrindo que ele era alérgica à tinta. "O meu problema foi resolvido."

Aposentado como professor, Décourt acha que muito do que aprendeu deve aos profissionais com quem teve contato desde o ginásio em Campinas, passando pela Santa Casa de Misericórdia, Faculdade de Medicina da USP e o Hospital das Clínicas (HC). "A Santa Casa não foi apenas uma fonte de conhecimento, mas a traçadora de uma norma de conduta normal."

União - Nos anos 50, reaproximou-se de um antigo colega de faculdade, o cirurgião Zerbini, com quem organizou no HC uma equipe de tratamento Clínico-Cirúrgico de doenças do coração."Isso fez com que a cardiologia paulista se desenvolvesse muito." Décourt recorda com carinho da união de 30 anos com o amigo Zerbini, que morreu em 1993, vítima de câncer. "Era comovente ver as pessoas que procuravam nossa equipe com a esperança de cura", lembra. Juntos ganharam notoriedade em 1968 ao realizarem o primeiro transplante de coração do Brasil. Décourt tinha a função de decidir quais pacientes deveriam se submeter ao transplante e Zerbini fazia a cirurgia.

Em 1977, Décourt viu um sonho tornar-se realidade. Começava funcionar o Instituto do Coração. "Acho que um dos momentos mais importantes da minha vida foi quando tive a consciência de que tínhamos construído algo sólido, em benefício dos doentes." O Incor surgiu para ampliar a clínica cardiológica do HC e hoje é um dos maiores centros de referência do tratamento e no estudo do coração na América Latina.

Décourt é casado há 62 anos e tem uma filha e uma neta. "Minha família sempre unida foi o alicerce para minha profissão." Cercado de livros sobre a Mesopotâmia, Grécia e Roma e LPs de Mozart e Bach, o cardiologista aconselha cultivar momentos de lazer e evitar o cigarro para tentar manter um coração sadio. Após 65 anos de profissão, diz que todas as suas atividades eram gratificantes, principalmente porque estava oferecendo a cura. "Se voltasse atrás, eu refaria a minha vida do mesmo jeito."

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