Caminhos da Cardiologia

História da medida da pressão arterial 100 anos do Esfigmomanômetro 

 

Luiz Introcaso
Brasília, DF

 

No presente trabalho o autor focaliza, com clareza, o longo caminho percorrido para o conhecimento de um fenômeno tão significativo, mas que se furtou durante anos às possibilidades de determinação.

A observação do pulso vascular é muito idosa, mas a obtenção da pressão arterial só ocorreu séculos mais tarde. É sabido que no Antigo Egito a atenção dos médicos já se voltava para a significação das pulsações sangüíneas, porque, como expressivamente informa o papiro de Ebers, colocando-se os dedos sobre várias partes do corpo verifica-se que o coração "fala" através dos vasos.

A determinação adequada da pressão nas artérias só seria iniciada, entretanto, entre os séculos XVI e XVII. Após as curiosas invenções de Santorio (termômetro, higrômetro, pulsímetro), como representante dos "iatrofísicos" - interessados na aplicação de técnicas matemáticas e mecânicas - sucederam-se múltiplos trabalhos que vão de Hales a Riva-Rocci e deste a Korotkoff e que comparecem atentamente analisados no presente estudo histórico. Este nos revela, portanto, as múltiplas oscilações na busca de um fenômeno básico em circulação.

De fato, quando o engenhoso reverendo Hales inseriu um tubo de vidro na artéria femoral de uma égua, não estava apenas satisfazendo curiosidade em Ciência, sua "amante vocacional" no dizer de Herrick, mas sim trazendo à Cardiologia um enorme campo de investigação que muito conhecemos e que ainda muito estudamos.

O Dr Introcaso nos traz, em revisão ampla e minuciosa, as significativas etapas desse fecundo percurso de mais de três séculos, analisando incertezas, dúvidas e incompreensões, mas, principalmente, a persistência e a perspicácia de tantos a quem tanto devemos.

 

"O médico não pode prescrever por carta, nós precisamos sentir o pulso"
Lucius Annaeus Seneca
(4 a.C. - 65 d.C.)

A preocupação médica com o pulso perde-se no tempo. Coube a dois médicos de Alexandria, que tiveram forte influência da medicina grega de Hipócrates (460 a.C.), a descrição do pulso arterial. Herófilo (300 a.C.), o "primeiro anatomista e clínico ao mesmo tempo", fundador da "doutrina do pulso", descreveu com exatidão as pulsações, correlacionou a sístole e a diástole com os sons musicais, e considerou ser o pulso um fenômeno que ocorre dentro dos vasos 1 .

Seu contemporâneo, Erasistrato (310 a.C.), o "fundador da fisiologia", considerou que o "coração dá origem ao espírito vital que é levado pelas artérias a todas as partes do corpo" 1 .

A primeira referência, embora ao acaso, da diferença da pressão sangüínea entre os vasos, deve-se ao pintor renascentista, Giovanni Di Paolo (1403-1483), que ao representar a decapitação de São João Batista, mostrou vasos jorrando e outros gotejando2 .

Mas, coube ao médico veneziano, Santorio Santorio (1561-1636), a primeira tentativa de registrar o pulso. Para tanto, inventou o pulsilogium, aparelho que servia para medir a freqüência e a variação do pulso 3 .

A Galileo Galilei (1571-1630) também é atribuída a invenção do pulsilogium, bem como, a ambos, a invenção do termômetro, mas foi Santorio quem lhes deu aplicabilidade clínica 3 .

Nessa época, William Harvey (1578-1657), o "descobridor da circulação", publicou seus memoráveis estudos sobre a circulação3 . Foi tão contestado que, somente um século após, o também inglês, reverendo Stephen Hales (1677-1761) (fig. 1), fez a primeira medição da pressão arterial (PA) de um animal 4 .

Improvisando um longo tubo de vidro como manômetro, assim descreveu, em 1733, seu primeiro experimento: "Em dezembro, eu imobilizei uma égua, com 1,4m de altura e cerca de 14 anos, que tinha uma fístula na sua virilha. Não era nem forte, nem fraca. Tendo aberto sua artéria crural esquerda em cerca de 7,6cm a partir de seu ventre, eu inserí um tubo de cobre com 0,4cm de calibre e, através de um outro tubo de cobre que estava firmemente adaptado ao primeiro, eu fixei um tubo de vidro de, aproximadamente, o mesmo diâmetro, com 2,7m de comprimento. 

Então, soltando a ligadura da artéria, o sangue subiu a 2,5m no tubo de vidro, acima do ventrículo esquerdo do coração... quando atingia sua máxima altura, oscilava 5, 7,5 ou 10cm após cada pulsação. Então eu tirei o tubo de vidro, e deixei o sangue jorrar livremente, quando a altura máxima atingida pelo jato não era mais do que 61cm. Eu medí como o sangue jorrava da artéria, e após cada quart (1,14 1) que saía, eu refixei o tubo de vidro na artéria para ver o quanto a força do sangue tinha diminuído; isto eu repeti até 8 quart, quando a força tornou-se então fraca... Após a morte do animal, quase 3 quart do sangue permanecia no seu corpo, o qual somado com o que havia sangrado, totaliza 20 quart (22,8 1), o que, numa baixa estimativa, podemos calcular como a quantidade de sangue circulante de um cavalo" 3-5 .

Na realidade, Hales estava mais interessado na capacidade do ventrículo esquerdo. Em outro experimento em cavalo, encontrou a pressão da veia jugular de 30cm, com o animal em repouso, e de 132cm, quando excitado 3 . Este experimento está muito bem representado em um dos afrescos de Diego Rivera, de 1945, que se encontra no Instituto de Cardiologia do México, feito por encomenda do Dr Ignacio Chávez, quando procurou ilustrar a história da cardiologia 2 .

Apesar de Hales ter ganho, com a descoberta da pressão sangüínea, toda as honrarias na Inglaterra (Fellow of the Royal Society e a Copley Medal em 1739) e na Europa (membro da Academia de Ciências da França) e de não ter sido contestado, seus estudos simplesmente caíram no esquecimento4 .

Mais uma vez, foi necessário quase um século, para que novos avanços surgissem.

Johannes Peter Müller (1801-1858), um dos maiores fisiologistas do século 19, afirmou que a "descoberta da pressão sangüínea foi mais importante que a descoberta do sangue" 5 .

Jean Léonard Marie Poiseuille (1799-1869) 3 , o "médico físico", considerado o pioneiro da hemodinâmica, melhorou o manômetro de Hales, substituindo o longo e frágil tubo de vidro por um tubo em U, com 20cm 6 , parcialmente cheio de mercúrio (Hg). Assim, apresentou na dissertação de sua tese de doutoramento, em 1828, o aparelho que chamou de "hemodinamômetro"5 (fig. 2), o que o levou a ganhar a medalha de ouro da Real Academia de Medicina da França. Esse aparelho era conectado a uma cânula cheia de carbonato de potássio (anticoagulante) que, por sua vez, era diretamente inserida na artéria do animal em experiência, medindo sua PA de uma maneira invasiva, através da diferença em mm, observada ao nível do Hg, no tubo em U 7 . Poiseuille cateterizou artérias de 2mm e demonstrou que a PA também era mantida nas pequenas artérias; estudou, também, a viscosidade sangüínea e a resistência do sistema cardiovascular 4 .

O hemodinamômetro foi um instrumento essencialmente de laboratório, sem uso clínico prático, mas que serviu de base para todos os aparelhos de medir PA que se seguiram.

A primeira tentativa de quantificar numericamente o pulso arterial, de maneira não invasiva, foi feita pelos franceses, J. Hérrison (médico) e P. Gernier (engenheiro), em 1834. Tratava-se de um aparelho similar a um termômetro, com um reservatório de Hg na sua parte inferior, e de uma coluna graduada em mm. Colocado sobre o pulso, o peso do Hg comprimia a artéria, cuja pulsação movimentava a coluna de Hg.

Este instrumento foi o primeiro a ter o nome de "esfigmomanômetro" (gr. sphygmos=pulso) e apesar de ser simples e engenhoso ao mesmo tempo, na realidade, não fazia outra coisa senão transformar uma sensação tátil em uma impressão visível. A dificuldade em quantificar a oscilação do pulso e, em última análise, de medir a PA, levou-o ao abandono 2,7 .

A inovação de Poiseuille capacitou Karl Ludwig (1816-1895) a desenvolver o quimógrafo (gr. kyma=onda), em 1847 3 . Aproveitando o hemodinamômetro, colocou sobre a coluna de Hg um flutuador, conectado a uma agulha de inscrição, que deslizava sobre um cilindro giratório esfumaçado 4,5 . Ludwig foi o primeiro a inscrever as ondas da PA, mas seu maior feito foi a invenção do "quimógrafo", de grande aplicação nos estudos de fisiologia.

As pesquisas para medir a PA, de uma maneira não invasiva, evoluía rapidamente.

Em 1855, Karl Vierordt (1814-1884) 3 postulou que, para se medir a PA, de forma indireta e não invasiva, era necessário que a pulsação cessasse. Para tanto, adaptou ao quimógrafo de Ludwig uma alavanca com pesos que, colocados sobre a artéria radial, bloqueava a pulsação. O desaparecimento do pulso provocava a parada dos movimentos da agulha inscritora, no quimógrafo 4,5 . Não obteve sucesso, devido ao grande e pesado aparelho que utilizava.

O grande mérito de Vierordt foi o seu princípio, de que, para determinar a pressão sistólica (PS), era necessário impedir a propagação das ondas esfígmicas, através da total constrição da artéria radial.

F. A. Mahomed substituiu a alavanca com pesos do aparelho de Vierordt, por uma mola graduada em onças troy que comprimia progressivamente a artéria radial, até cessar a inscrição das ondas de pulso 2 .

As primeiras observações clínicas de que a força necessária para ocluir a artéria não dependia somente da PS, mas também da resistência da parede arterial, começaram a surgir com Pierre Charles Edouard Potain (1825-1901) 8 ao concluir que os manômetros de peso deveriam ser evitados 4 .

O cirurgião J. Faivre fez a primeira medição acurada da PA em um homem, em 1856. Durante um ato cirúrgico, cateterizou a artéria femoral, ligando-a a um manômetro de Hg e detectou 120mmHg; na artéria braquial, encontrou 115 a 120mmHg 4 . Começou, então, a procura dos valores de normalidade.

Baseado no manômetro de Hg, no quimógrafo de Ludwig e no princípio de Vierordt, Ettiene-Jules Marey (1830-1904) inventou, em 1860, um aparelho que tornou mais acurada a medida da PA 3 . O antebraço era englobado por uma câmara de vidro, que era ligada, por um lado, a um reservatório de água e, por outro, a um manômetro e a um quimógrafo, simultâneamente, através de uma ligação em Y. Enchendo-se a câmara de vidro com água, a ponto de ocluir a artéria radial, o que era demonstrado pela parada da agulha inscritora, lia-se a PS na coluna de Hg do manômetro 5 .

Ainda que o esfigmomanômetro de Marey fosse uma obra prima de ingenuidade 4 , tornou-se difícil usá-lo, tanto por ser pesado, quanto pela inacurácia provocada pela necessidade de se exercer força em todo o antebraço para ocluir a pulsação 5 .

Samuel Sigfried Ritter von Basch (1837-1905) 3 inventou, a partir de 1880, três aparelhos de medir a PA, também, baseados no princípio de Vierordt. O primeiro, muito simples, constava de uma bolsa de borracha inflável, cheia de água, com um bulbo de Hg no seu interior, ligado a uma coluna de Hg graduada. A bolsa de borracha comprimia a artéria radial, o que provocava elevação na coluna de Hg, determinando a PS 5 . O outro modelo, mais complicado, consistia em colocar sobre a artéria radial, após o local de compressão, um esfigmógrafo ligado a um quimógrafo4 .

O terceiro modelo (1886) era do tipo anaeróide (fig. 3). Constava de bulbo (c) cheio de água, cujo lado (e) era colocado sobre a artéria radial, e sobre o (d), era exercida, com um dedo, pressão até não mais se palpar o pulso a jusente. A pressão assim exercida sobre o bulbo era lida em um manômetro anaeróide, graduado em até 24cm Hg 9 . von Basch foi o primeiro a se utilizar do manômetro anaeróide, que era uma modificação do barômetro de mola de Lucien Vidie (1805-1886) 9 , e também a observar que, nos indivíduos idosos, ou com arteriosclerose, a PS era mais elevada do que na população normal, o que ele chamou de "aterosclerose latente", iniciando a conceituação de hipertensão arterial (HA) essencial 2 .

Isso levou Henri Huchard (1844-1910) a postular que a HA persistente levava à aterosclerose e, também, que a HA dependia de doenças outras, como a nefrite crônica 2 .

Mais tarde, Potain descreveu o mesmo esfigmomanômetro, de von Basch, apenas usando ar no bulbo, ao invés de água, e elevando sua graduação para 35cm Hg 9 .

I. Zadek adaptou o bulbo compressor de von Basch a um manômetro de Hg, semelhante ao de Poiseuille, e fez estudos comparativos com a PA intra-arterial. Definiu como valor normal da PS 130mmHg, com variação de 110 a 160 4,5 .

A aceitação clínica do esfigmomanômetro não foi uniforme: houve forte oposição ao seu uso, levando, inclusive, o British Medical Journal a advogar que, com o uso do esfigmomanômetro, "nós empobrecemos nossa sensibilidade e enfraquecemos nossa perspicácia clínica" 4,5 .

Angelo Mosso (1846-1910) 1 , discípulo de Marey, inventou,  em 1895, um aparelho no qual eram introduzidos, quatro dedos através de dedais de borracha, em uma caixa com água, que estava ligada a um pletismógrafo (gr. pleethymos= aumento) 6 . Aumentando a pressão sobre os dedos, através de uma bomba procurava-se registrar a oscilação máxima no pletismógrafo, que correspondia à pressão arterial média (PAM) 10,11 . Posteriormente, esse aparelho foi chamado de "paratlibometro", mas acabou ficando conhecido como pletismógrafo de Mosso.

Em dezembro de 1896, Scipione Riva-Rocci (1863-1937) (fig. 4) descreveu, em duas publicações sucessivas, "um novo esfigmomanômetro".

Partindo de premissas clínico-fisiológicas, Riva-Rocci escreveu: "do ponto de vista clínico, nós pesquisamos o valor e a variação da pressão sangüínea arterial, por dois enfoques principais: o 1º, trata de conhecer o impacto que a PA exerce sobre as paredes dos vasos e tecidos adjacentes, o qual permite julgar o grau de resistência dessas paredes e tecidos e, sobretudo, da maior ou menor probabilidade de ruptura dessa parede; o 2º, por medir a função cardíaca com todas as suas repercussões circulatórias e biológicas. A meu juízo, nós não dispomos nem de métodos, nem de instrumentos que permitam desenvolver os postulados da clínica" 10 .

Riva-Rocci necessitava de um aparelho sensível, portátil, de fácil manejo, de aplicação incruenta e, ao mesmo tempo, acurado. Tentando resolver o problema da técnica de Vierordt e de von Basch, de compressão unilateral da artéria radial, Riva-Rocci escolheu a artéria umeral, por "ser um ponto mais perto da aorta, sem circulação colateral, e que expressa melhor a carga total para impedir a propagação da onda esfígmica"10 . Esta carga total deveria ser exercida sobre a artéria, por todos os lados, igualmente. Seu aparelho compunha-se de duas partes, uma destinada a exercer compressão sobre a artéria, e outra que permitia medir a pressão exercida. Chamou-o de "angioparatlibometro"11 .

Sua técnica consistia de um manguito, de 4 a 5cm de largura, que cobria o braço em todo a sua circunferência, e que era inflado pela dupla bola de Richardson, entre os quais estava interposto um manômetro de coluna de Hg (fig. 5). Inflava-se o manguito, até total desaparecimento do pulso radial, seguindo-se desinflação, até o seu reaparecimento, quando então era medida a PS, no manômetro 10-12 .

Seu aparelho, que não teve o nome que pretendia, ficou universalmente conhecido como "esfigmomanômetro de Riva-Rocci", marcou o fim da era das pesquisas de um método clínico simples para a avaliação da PA, e foi a evolução lógica e progressiva dos trabalhos iniciados por Stephen Hales5 .

O grande mérito de Riva-Rocci foi o de provar que um progresso científico verdadeiro se alcança, somente, quando uma teoria sólida, baseada em premissas consistentes, pode se comprovar por experiências repetidas 2 .

Ligeiras modificações foram feitas no aparelho de Riva-Rocci, mas a única que se estabeleceu foi a de H. von Recklinghausen em 1901, que aumentou a largura do manguito para 12cm 4 .

Definida, de maneira inquestionável, a medição da PS, as pesquisas clínicas se concentraram na medida da pressão diastólica (PD).

O método oscilatório, único disponível, definia como PS, ao desinflar o manguito, o aparecimento das oscilações, vista na coluna de Hg ou quimógrafo, e como PD a transição de amplas para pequenas oscilações 4 .

Leonard Hill e Harold Barnard, inventaram, em 1897, um aparelho muito parecido com o de Riva-Rocci, diferindo apenas por empregar uma agulha indicadora de pressão em manômetro anaeróide, que era sensível o suficiente para acusar a PD 4,5 .

Os trabalhos de Hill e Barnard marcaram o início das publicações sobre esfigmomanômetros no British Medical Journal e na Lancet9.

A detecção definitiva da PD foi feita por Nicolai Segeivich Korotkoff (1874-1920) (fig. 6). Baseado na experiência adquirida como cirurgião vascular, nas guerras "Rebelião dos Boxer", na China (1900), e na Rússia-Japão (1904), e também nos estudos de Nikolai Ivanovich Pirogoff (1810-1881) sobre ausculta de fístulas arteriovenosas, e tumores vasculares 13,14 , Korotkoff apresentou, na Academia Imperial Médica Militar de São Petersburgo, em dezembro de 1904, sua descoberta do método auscultatório do pulso 13 . Em apenas 178 palavras russas 16 , descreveu: "Baseado nas observações de que, sob completa constrição, a artéria não emite sons... O aparelho de Riva-Rocci é colocado no braço e sua pressão é rapidamente aumentada até bloquear completamente a circulação abaixo do manguito, quando não se ouve nenhum som no estetoscópio de criança (manoauricular). Então, deixando a pressão do manômetro de Hg cair até certa altura, um som curto e fraco é ouvido, o que indica a passagem de parte da onda de pulso sob o manguito, caracterizando a pressão máxima. Deixando a pressão do manômetro cair, progressivamente, ouve-se o sopro da compressão sistólica, e que se torna novamente, som. Finalmente, todos os sons desaparecem, o que indica livre passagem do fluxo sangüíneo ou, em outras palavras, a PA mínima ultrapassou a pressão exercida pelo manguito. Este momento corresponde a PA mínima. As experiências mostraram também, que o primeiro som aparece 10 a 12mmHg antes da palpação do pulso radial" 4,13-17 .

Essa comunicação causou calorosa discussão, levando Korotkoff a apresentar novos experimentos, em um mês 16 . Seu caráter tímido e introvertido levou-o a fazer nova e última comunicação científica somente em 1910, quando publicou sua tese de doutoramento - "Experimentos para determinar a eficiência das artérias colaterais" - a qual contém breve referência ao seu método auscultatório13,15 .

Seu método só se consolidou após os estudos de seu professor M. V. Yanoviski, tanto que o D. O. Krylov (o descobridor do hiato auscultatório)18 propôs, em 1906, que o método deveria se chamar "método de Korotkoff-Yanoviski"15 .

O próprio Korotkoff adotou, em seguida, o estetoscópio biauricular, por tornar a ausculta dos sons da artéria mais fácil e mais acurada14 .

A partir dai, passaram a coexistir os dois métodos, palpação e ausculta, inclusive com sérias discussões de qual deles seria melhor.

Em 1907, W. Ettinger acrescentou um 4º som aos três descritos por Korotkoff, ou seja, a fase em que há uma nítida e brusca atenuação do som, "o som abafado" 18 . Isto trouxe confusão na detecção da PD, uns considerando-a corresponder ao 4º som, alguns ao desaparecimento total dos sons, e outros a que se devesse registrar a PD em ambas as fases.

As discussões e confusões começaram a ser esclarecidas em 1939, quando o comitê combinado das sociedades de cardiologia americana, inglesa e irlandesa 19 , com ratificação posterior do comitê da American Heart Association, em 1967 20 , propôs o método palpação-ausculta, tal qual descrito originalmente por Korotkoff. O comitê americano propunha, porém, ser a IV fase "o melhor índice para a PD" 20 .

Hoje, não mais se discute ser a PD, em adultos, detectável na fase de total desaparecimento dos sons da artéria (fase V, de Korotkoff) 21 .

O questionamento da acurácia do observador gerou a construção de vários aparelhos, que eliminassem a sua participação.

Em 1931, Johann von Plesch (1878-?) 8 , baseado no método oscilográfico, inventou o "tonoscilógrafo". Di Ció o definiu, em 1934, como "o método até hoje mais completo e mais exato, pois a inscrição da pulsação arterial realiza-se de forma automática, as determinações se fazem em forma matemática e, fato muito importante, elimina a principal causa de erro, que é o observador". O tonoscilógrafo de von Plesch consta de uma caixa metálica com dois manômetros, um ligado a uma placa giratória sobre a qual se coloca um disco de papel graduado em divisões verticais de 0 a 300 e, o outro, a uma agulha de inscrição à tinta. O manguito é inflado até total desaparecimento das oscilações, seguindo-se adaptação da agulha inscritora sobre o papel. O esvaziamento progressivo do manguito faz com que a placa gire e haja inscrição das ondas oscilográficas. Retira-se o papel e lê-se a "PS no ponto em que as oscilações aumentam, a PAM no ponto de maior amplitude e a PD no ponto de descenso mais ou menos brusco"22.

Outras tentativas, mais recentes, de eliminar a participação do observador, surgiram com os esfigmomanômetros zero-muddler em 1963 23 , e seu sucessor, o random-zero, em 1970 24 . Este último mostrou níveis pressóricos significativamente menores, quando comparado ao método auscultatório 25,26 e, apesar de não serem intercambiáveis em estudos epidemiológicos 25 e não haver indicações de superioridade de um sobre o outro 26, não são utilizados na rotina clínica diária.

O próximo e último grande passo na medida da PA, não mais no sentido de eliminar o observador, embora fazendo-o, foi a invenção de aparelhos para registrar a PA, automaticamente, de maneira não invasiva.

Em maio de 1941, Harry Weiss publicou, no The Journal of Laboratory and Clinical Medicine (recebido para publicação em 10/5/1940), seu trabalho, intitulado "Um aparelho para registro automático da pressão arterial", que se inicia com: "não há, até o momento, nenhum aparelho ou método que permita o registro automático, contínuo e simultâneo das pressões sistólica e diastólica, da pressão de pulso e da freqüência cardíaca. Tal aparelho deverá abrir um amplo campo na investigação clínica. Terá também valores práticos óbvios" 27 .

Seu método era o oscilométrico auscultatório. Seu aparelho consistia de uma bomba com capacidade de ser programada para inflar o manguito a intervalos pré-determinados. No braço, eram colocados o manguito e um microfone no espaço antecubital, sobre a artéria umeral. Ambos estavam conectados a um osciloscópio, e o manguito era também ligado a um manômetro anaeróide que, por sua vez, também estava ligado ao osciloscópio. O manguito, ao ser inflado, fazia com que o manômetro anaeróide acionasse o osciloscópio através de um eixo, com movimentos de vaivém. No ponto em que a inflação do manguito começava a provocar constrição da artéria, a emissão de sons, captada pelo microfone, também acionava o osciloscópio. Esses movimentos do osciloscópio acionavam um espelho, que refletia uma fonte de luz sobre um papel-filme quadriculado, em intervalos de 1s. O movimento provocado pelo manômetro gerava a inscrição de uma curva sinusal lisa, e o movimento provocado pelos sons da artéria gerava inscrições distorcidas sobre a curva lisa.

Assim, à medida que se vai inflando o manguito, não há emissão de som pela artéria, até que se inicie sua constrição; aí, o som é captado pelo microfone e transmitido ao osciloscópio, distorcendo a linha lisa da curva sinusal. Registra-se, então, a PD. Continuando a inflar o manguito, até total constrição da artéria, vai haver desaparecimento do som, quando então se registra a PS. À medida que o manguito vai sendo desinflado, esta seqüência é registrada em ordem inversa. A pressão de pulso corresponde à pressão entre a PS e a PD, e a freqüência de pulso é obtida pelo registro de um timer, no filme 27 .

Weiss, ao concluir sua publicação, fez referência de outros aparelhos que estavam sendo desenvolvidos para a mesma finalidade e baseados no mesmo princípio.

Não há, aparentemente, registro de estudos clínicos com esses aparelhos, apenas referências de outros aparelhos 28 que nada acrescentaram ao de Weiss.

Estudos clínicos com a medida ambulatorial da PA só surgiram, na literatura, a partir de 1962, quando Allen Hinman publicou a descrição do seu monitor portátil para registro da PA. Suas referências bibliográficas não fazem nenhuma menção aos aparelhos que o precederam; talvez tenha sido seu objetivo principal apenas o de estudar a variabilidade da PA e comparar as medidas de consultório com as feitas no lar. Chamou seu aparelho de portometer, que também ficou conhecido com o nome de seu fabricante, Remler M2000.

Seu método era o auscultatório e sua técnica semi-automática, não invasiva. O manguito-padrão, juntamente com a pêra de inflação, eram colocados no braço esquerdo e o microfone no espaço antecubital. No ombro correspondente eram carregados o transdutor, baterias e o equipamento eletrônico; o gravador era carregado no outro ombro. Todo o equipamento pesava 2,5kg.

Para iniciar o registro da PA, o paciente inflava manualmente o manguito. Quando este atingia 50mmHg a lâmpada inferior acendia, indicando que o transdutor e o gravador estavam acionados. A inflação do manguito continuava, até se acender a lâmpada superior, momento representativo de que a pressão do manguito superou a PS. Cessava-se a inflação e se iniciava a desinflação do manguito rapidamente, em 30s. Durante a desinflação, a pressão do manguito era continuadamente registrada no transdutor, e o sons de Korotkoff, captados pelo microfone, eram gravados em fita cassete. Quando a pressão do manguito atingia novamente 50mmHg, a lâmpada inferior acendia-se, cessando a gravação, e a desinflação do manguito era completada.

Após uma série de registros de PA, a fita era decodificada por um sistema calibrado em um manômetro de Hg. Os sinais de pressão freqüência modulada eram convertidos e registrados em papel, simultâneamente com a conversão dos sons em deflexões e monitoradas por um meio de um sistema de áudio. Esse sistema possibilitou, inicialmente, o registro de 24 leituras, em 8h.

Estudo de acurácia desse aparelho comparado com os resultados obtidos por observador, mostrou que, "apesar de diferenças desprezíveis na medida da PS, e ser menos satisfatório na medida da PD, estes dados não invalidam o método" 29 .

Novas técnicas invasivas para monitorização contínua da pressão intra-arterial, como a de "Oxford", em 1969 30 , e a "telemétrica", em 1974 31 , são ainda utilizadas, exclusivamente em pesquisas, em que pese serem consideradas antiéticas e condenadas em alguns países 32 .

As técnicas automáticas, não invasivas, evoluíram rapidamente nas últimas duas décadas e, hoje, são utilizados os métodos oscilométrico e auscultatório que, apesar de suas vantagens e desvantagens, são capazes de prover resultados acurados 33 .

Dos 43 monitores ambulatoriais de PA, fabricados atualmente por 31 indústrias, 18 foram avaliados de acordo com os critérios da Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAMI) e da British Hypertension Society (BHS), sendo que apenas nove foram validados para uso clínico 34 .

Finalmente, reativa-se hoje, a monitorização contínua não invasiva, iniciada por J. Peñaz, em 1969, cujo método é o "clampeamento de volume", registrado em um ou dois quirodáctilos, batimento por batimento 33 . Este método, representado pelo seu modelo estacionário, o "finapres, e seu sucessor o "portapres" para monitorização ambulatorial, nada mais é do que a pletismografia digital, utilizada por Angelo Mosso, em 1895.

E, agora que estamos completando 100 anos do esfigmomanômetro de Riva-Rocci, nada mais justo que homenageá-lo com as mesmas palavras de Ralph H. Major, escritas em 1930, e que continuam absolutamente atuais: "muitas modificações, novos esfigmomanômetros, novos métodos de medir a pressão arterial são propostos de tempos em tempos, mas, o aparelho de Riva-Rocci é o universalmente utilizado e continua a ser o melhor, o mais simples e o mais acurado instrument para medir a PA" 5 .

 

Agradecimentos

À Sra Siomara Zgiet, da Biblioteca do Ministério da Saúde, pela pesquisa bibliográfica.

 

Referências

1. Castiglioni A - História de la Medicina. Barcelona: Salvat, 1941; p. 180, 181, 722.

2. Dominguez RC, Micheli A - Evolucion de la esfigmomanometria. Arch Inst Cardiol Méx 1994; 34: 315-23.

3. Mettler CC, Mettler FA - History of Medicine. Philadelphia-Toronto: Blakiston Co, 1947.

4. Booth J - A short history of blood pressure measurement. Proc Roy Soc Med 1977; 70: 793-799.

5. Major RH - The history of taking blood pressure. Ann Med History 1930; 2: 47-50.

6. Lewis C - Historical notes: Early measurement of blood pressure. Md Med J 1985; 34: 640-1.

7. Parati G, Pomidossi G - La mizzurazione della pressione arteriosa. Milano: Farmitalia Carlo Erba, 1988; p12,13.

8. "Dorland" Diccionario de Ciencias Médicas. Buenos Aires: Ateneo, 1966; p. 1112, 1138.

9. Lawrence C - Physiological apparatus in the Wellcome Museum. 3. Early sphigmomanometers. Medical History 1979; 23: 474-8.

10. Rica-Rocci S - Un nuovo sfigmomanometro. Gazzetta Medica di Torino 1896; 50: 981-96.

11. Riva-Rocci S - Un nuovo sfigmomanometro. Gazzetta Medica di Torino 1896; 51: 1001-17.

12. Jaakko I - "RR 160/80" Scipione Riva-Rocci (1863-1937). Duodecim 1993; 109: 1493-4.

13. Cantwell JD - Profiles in cardiology: Nicolai S. Korotkoff (1874-1920). Clin Cardiol 1989; 12: 233-5.

14. Segall HN - History of Medicine: How Korotkoff, the surgeon, discovered the auscultatory method of measuring arterial pressure. Ann Intern Med 1975; 83: 561-2.

15. Laher M, O’Brien E - In search of Korotkoff. Br Med J 1982; 285: 1796-8.

16. Segall HN - Editorial review: Quest for Korotkoff. J Hipert 1985; 3: 317-26.

17. Multanovsky MP - The Korotkov’s method. Cor Vasa 1970; 12: 1-7.

18. Askey JM - History of Medicine: The auscultatory gap in sphigmomanometry. An Intern Med 1974; 80: 94-7.

19. American Heart Association and the Cardiol Society of Great Britain an Ireland Combined Committees: Standard method for taking, and recording blood pressure readings. JAMA 1939; 113: 294-7.

20. Committee of the American Heart Association: Recommendations for human blood pressure determination by sphygmomanometers. Circulation 1967; 36: 980-8.

21. II Consenso Brasileiro para o tratamento da hipertensão arterial. Arq Bras Cardiol 1994; 63: 333-47.

22. Di Ció AV - La tension arterial. Buenos Aires: Ateneo, 1934; p 63.

23. Garrow JS - Zero-Muddler for unprejudiced sphygmomanometry. Lancet 1963; 2: 1205.

24. Wright BM, Dore CF - A random-zero sphygmomanometer. Lancet 1970; 1: 337-8.

25. De Gaudemaris R, Folson AR, Prineas RJ, Luepeker RV - The random-zero versus the standard mercury sphygmomanometer: a systematic blood pressure difference. Am J Epidemiol 1985; 121: 282-90.

26. Parker D, Liu K, Dyer AR, Giumetti D, Liao Y, Stamler J - A comparison of the random-zero and standard mercury sphygmomanoters. Hypertension 1988; 11: 269- 72.

27. Weiss H - An automatic blood pressure recording apparatus. J Lab Clin Med 1941; 26: 1351-8.

28. Gilson WE, Goldberg H, Slocum HC - An automatic device for periodically determining and recording both systolic and diastolic blood pressure in man. Sciencem 1941; 94: 2434-5.

29. Hinman AT, Engel BT, Bickford AF - Portable blood pressure recorder intradaily variations in pressure. Am Heart J 1962; 63: 663-8.

30. Bevan AT, Honour AJ, Stott FD - Direct arterial pressure recording in unrestricted man. Clin Sci 1969; 329-44.

31. Irving JB, Kerr F, Ewing DJ, Kirby BJ - Value of prolonged recording of blood pressure in assessment of blood pressure. Br Heart J 1974; 36: 859-66.

32. O’Brien E, O’Malley K - Evaluation of blood pressure measuring devices with special reference to ambulatory systems. J Hypertens 1990; 8(suppl 7): S133- S9.

33. Staessen JA, Fagard R, Thijs L, Amery A - A consensus view on the technique of ambulatory blood pressure monitoring. The Fourth International Consensus Conference on 24-hour Ambulatory Blood Pressure Monitoring. Hypertension 1995; 26(part 1): 912-18.

34. O’Brien E, Atkins N, Staessen JA - State of the market. A review of ambulatory blood pressure monitoring devices. Hypertension 1995; 26: 839-42.

 

Correspondência: Luiz Introcaso - Centro Médico de Brasília 
Bloco E, S/607 - 70390- 904 - Brasília, DF